O texto anterior reavivou uma história deliciosa passada há alguns anos com o Álvaro Cunhal e que teve a minha distinta irmã com protagonista. Qualquer criança teve os pais como principais referências, também ideológicas, o que nunca impediu de, mais tarde, quando conseguiu pensar pela própria cabeça, discordar deles em determinados assuntos, nomeadamente políticos.
Filho de pai comunista convicto, daqueles à antiga, era ainda petiz e não falhava umas quantas correrias pelas avenidas da democracia abertas pela Festa do Avante na Ajuda, junto a Monsanto, de lá excomungada pelo insensível Krus Abecassis, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e onde actualmente moram alguns pólos da Universidade Técnica.
Numa dessas visitas ao festim dos "comunas", calhou entrarmos – eu, pai, mãe e mana – na mesma altura que Cunhal o fazia num automóvel. Logo se gerou enorme burburinho entre os visitantes, e os mais velhos apressaram os respectivos rebentos para se meterem na fila que entretanto se formara para beijar o ilustre mártir da ditadura – o homem pacatamente instalado no banco do pendura e as criancinhas todas na osculação.
Bom, todas não, pois a minha irmã, empoleirada na janela oposta do carro, respondeu assim à pergunta do meu pai:
— Então Ana, não vais dar um beijinho ao senhor Cunhal?
— Eu não, respondeu ela refilona no meio da sua genuína inocência. Não o conheço de lado nenhum, rematou. Afinal, sempre lhe ensinaram que não se dão beijos a desconhecidos.
NAVEGADOR DA PASSAGEM - OS CAURIS
Há 3 meses
5 comentários:
Com ceteza!
tem bons instintos a tua irmã:-)
mas agora puseste-me a pensar...a geração dos nossos pais era muito mais participativa a nível político (percebe-se porquê), e então arrastava a filharada para comícios etc e tal.
Políticamente tenho nódoas na minha vida, que me são muito queridas. Andar na Diane descapotável da minha mãe pela Av. Roma, a agitar uma bandeira do PSD (imagina tu zé), é uma delas.
Enquanto tu amigo Zé corrias feliz pelos campos comunistas, eu descia a avenida da direita, já viste? :-)
Já ouvi essa história várias vezes...
Se soubesse o que sei hoje ;-)
Mas crianças são sempre sinceras, não é o que dizem?
Já nessa altura eu era refilona...
Mas olha, por alguma razão na faculdade tinha um professor que me chamava Comunista, porque eu protestava com tudo: era com a falta de condições, era porque os professores faltavam às aulas e eu estar a pagar para eles faltarem, era porque chovia e eu chegava toda molhada às aulas (ia de mota), etc, etc, etc.
Mas a isto, um dos meus chefes (por esse mundo do trabalho) chamava: personalidade forte!
Ahahahaha!!Essa é muita boa!!é mesmo à Ana, sempre do contra!!Uma Já na altua uma revolucionária em potência!!
Como me revi neste post! Também ia com os meus pais a manifestações e à Festa do Avante!
(mas acho que nunca dei um beijo ao Cunhal)
Por alguma razão dizem que as crianças são puras, logicamente se ela já hoje não é muito certa imagina se tem dado o dito beijo e ainda ficava pior.
Lembro-me sempre do busto do senhor da barbinha que estava na sala de vossa casa, até me lembro que tu, grande comuna, até sabias o nome dele completo.
Eu pessoalmente não andei de Diane, mas andei muitas vezes de Ford Transit a encher a capital de propaganda.
Que belos tempos - que grandes Maiorias - que grandes Governos.
Ok
Agora já me podem chamar outra vez de reacionário.
Mas assumo que os tempos eram outros e que agora é tudo um bocadinho mais sujo e mercenário
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