26 de janeiro de 2007

Requiem pela FNAC e elogio dos pequenos gestos

Confesso que sofri da doença durante bastante tempo. Não tenho pejo em admitir. Sim, fui "fnacodepende". Mais propriamente desde a abertura do primeiro antro em Portugal, no Colombo, nesse saudoso ano de 1998, de tão gratas memórias para nós, lisboetas.

O problema foi-se agravando de dia para dia e proporcionalmente ao avolumar de dinheiro na minha carteira. Poupar nunca foi o meu forte e, por isso, quanto mais disponibilidade financeira dispunha, aumentava exponencialmente o meu gasto naquilo que mais gostava, principalmente livros e CD's – mas também DVD's, almoços, lanches, petiscadas, jantares, noitadas, viagens... – e com as pessoas de quem mais gostava.

Sempre fui avesso a comprar livros através da Internet. Gosto do prazer de me sentar calmamente nas livrarias e lê-los, tocá-los, afagá-los, cheirá-los, manuseá-los com as minhas próprias minhas mãos. Essa foi, provavelmente – aliada à imensa variedade de opções –, a principal razão pela qual sempre gostei do conceito das lojas FNAC e fui seu frequentador desde a hora inicial. Com o correr dos anos e o aumento das responsabilidades – bicho castrador do prazer –, esses gastos naturalmente diminuíram.

Sem o frenético impulso de outrora, consigo hoje entrar numa FNAC e sair de lá sem ter comprado um único artigo, o que, não há muito tempo, afigurava-se tarefa impossível. Avesso a enchentes, aproveitava para fazer voto de abstinência na histérica altura do Natal, onde nem mesmo os terminais de pagamento rápido self-service, disponíveis no Colombo, conseguiam dar andamento à ânsia de estoirar dinheiro.

Ultimamente, tenho até sentido alguma aversão em entrar numa FNAC, devido ao excessivo, incomodativo e insuportável calor que se faz sentir dentro das lojas, nomeadamente quando faz muito frio lá fora. (Bem, mas para dizer a verdade todos os estabelecimentos do género padecem do mesmo problema!)

Após décadas sem qualquer sinal de melhoras, hoje, mais maduro e selectivo nas escolhas, posso dizer que estou curado. Ainda esta semana aproveitei o facto de apenas começar a trabalhar a seguir ao almoço e deambulei por algumas livrarias da Baixa de Lisboa, antes que fechem, fruto da invasão e da preferência das pessoas por gigantes como a FNAC, entre os quais eu me incluo – ou incluía.

Como é lógico, perdi-me na imensidão daquelas salas antigas, mas fiz questão de comprar um livro em cada uma delas, apesar dos magotes de gente que dantes provocava autênticas romarias restar agora apenas meia dúzia de ingénuos. Garanto que o próximo périplo será pelos alfarrabistas.

Moral da história? Ainda acredito que as imensas minorias fazem a diferença. Às vezes, um pequeno gesto de cada um de nós pode salvar estas riquíssimas livrarias, tão impregnadas de história. Às vezes, um pequeno gesto de cada um de nós, nas acções mais banais do nosso quotidiano, pode salvar o Planeta.

5 comentários:

Bolacha Maria disse...

Aqui temos minha gente, um rapaz sensato e preocupado..é bem erdade, mas confesso que sucumbo, não raras vezes,á pressão da compra nas grandes superfícies, pq ainda assim, é tudo um pouco mais barato, ou melhor, menos caro!
Mas adoro passear-me pela baixa, apreciar algumas ainda resistentes lojas antigas, livrarias e outras..pena é que não contribua para a sua sobrevivência (tb não tenho como ALGUNS, um horário de trabalho que me permita essas deambulações tranquilamente!!!)

triss disse...

tás inspirado zé! adorei o post, e juro-te que se já tivesse recebido ía já comprar um livro!
(como sabes compro muitos, só que a dia 26 já só tenho moedinhas pretas na carteira)

Ultimamente também eu vinha experienciando algum desconforto na Fnac do chiado. Ter que contornar dezenas e dezenas de pessoas, é uma seca.
Ainda por cima o muitíssimo calor que se sente obriga-me a tirar o casaco, o cachecol e a camisola, o que depois me impossibilita de manusear os livros porque tenho os braços carregados!

Bem, passear pela baixa só é possível das 10h ás 11h e das 15h ás 16h. Fora este horário o centro da cidade é um inferno...

SC disse...

Confesso que ainda sofro um pouco de "fnacodependência", mas menos, muito menos. Até porque a Bertrand têm tido a capacidade de me surpreender quando procuro um livro que não existe na Fnac.

Curiosamente, este fim de semana perdi-me num alfarrabista entre o Chiado e o Bairro Alto! :)

Vicky disse...

Belo post, bela homenagem a um mundo que se esvai. Me fez lembrar o filme "dead man walking". Também padeço do mesmo vício: livro-adicta.

José Nuno Pimentel disse...

Vicky, cara livro-adicta, esperemos que esse mundo não acabe nunca!