7 de maio de 2010

Sã convivência

O belo casalinho chegou adiantado à sessão e, perante as profusas madames perfumadas de vestido de gala e os gentlemen aprumadinhos de fato e gravata, tomou os respectivos lugares na plateia do Teatro São Carlos para ver As Bodas de Fígaro, do Mozart.

Enquanto esperava pelo início da comédia amorosa de enganos, e sem qualquer pejo, antes pleno de orgulho, ele pôs-se pomposamente de perna cruzada a ler o jornal A Bola - a cultura de elite e a leitura do povo a conviverem sadiamente debaixo do mesmo esplendoroso tecto.

15 de março de 2010

Lost in Translation

Recém-arrebatado dos braços de Morfeu, após noite bem regada, desloca-se qual autómato cambaleante até à casa-de-banho ainda com olhos remelosos, antes das habituais abluções matinais (mesmo passando já do meio-dia). Sem os óculos que normalmente o ajudam a enxergar melhor o mundo que o rodeia, consulta abstraidamente o molho desorganizado de literatura pousado em cima do bidé mas, ao invés do título “créer pour bébé” escrito na capa duma revista francesa, julga ter lido, em português, "crer para beber".

4 de março de 2010

Nomes e apelidos

(Ou de como, finalmente, já não aparece destacada a fotografia do Jonah Falcon em pelota quando se acede a este blogue!)

Depois de muita persuasão e críticas elogiosas, lá fui experimentar o caffè latte da Starbucks, no Chiado. Ao contrário de muitos, confesso não sentir especial apreço pela irritante técnica, em voga naquele estabelecimento, segundo a qual se deve tratar os clientes pelo respectivo nome e fazê-lo várias vezes no espaço de micronanosegundos – antes, durante e depois de estes fazerem os respectivos pedidos.

– Boa noite, o que vai tomar?
– Queria um latte, por favor.
– E como se chama?
– … [nome].
– Um latte para o [nome]. Mais alguma coisa [nome]?
– Não!
– Obrigado [nome], volte sempre [nome].

(Momentos depois… quando chega o latte)

– Um latte para o [nome].
– Obrigado.
– [nome], se quiser tem ali açúcar e coberturas…

Nem me posso queixar muito. Conheço gente de determinada empresa cujo nome provocaria, certamente, enorme burburinho numa simples ida àquela loja, pois responde por Anatide, Estaline e Querubim, só para citar os nomes mais prosaicos. A estranheza de Possidónio [Cachapa], Desidério [Murcho] e Onésimo [Teotónio de Almeida] não levou estes professores/escritores a optar por encontrar pseudónimo a assinar os seus saborosos textos, mas curiosa é a história relacionada com o apelido de outro português ilustre, José Saramago, contada pelo próprio em As Pequenas Memórias.

Segundo o Prémio Nobel da Literatura, Saramago não era apelido paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia: “(…) indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico nome José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. (…) graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem em bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curruto e Caralhana (…)”.

Mas o que é um nome? Para os judeus assunto de enorme importância, sem dúvida, mas também o seria para o emigrante alemão nos Estados Unidos, nascido em 1904, que tem nome de baptismo para cada letra do alfabeto, o último dos quais, impronunciável para nós humildes falantes da língua de Camões, o da família: Adolph Blaine Charles David Earl Frederick Gerald Hubert Irvin John Kenneth Lloyd Martin Nero Oliver Paul Quincy Randolph Sherman Thomas Uncas Victor William Xerxes Yancy Zeus Wolfeschlegelsteinhausenbergerdorff.

E, quanto ao latte, é bom e reconfortante, nomeadamente nos dias mais frios!

13 de janeiro de 2010

Big penis unemployed

À primeira vista, Jonah Falcon é apenas mais um número. Desempregado e a morar com a mãe, é um dos 20 por cento de americanos em idade activa sem trabalho. No entanto, Falcon tem algo que nenhum outro homem possui: o maior pénis do mundo.

Desde que em 1999 apareceu no documentário Private Dicks: Men Exposed, sobre homens com órgãos genitais de grandes dimensões – no seu caso 24 centímetros em descanso e 34 em erecção, segundo o El Mundo – e a sua história saiu na Rolling Stone em Maio de 2003, complementado com a presença no The Howard Stern Show em Setembro de 2006, o original Mr. Big, nascido em Brooklin, Nova Iorque, há 39 anos, tem lutado para arranjar um emprego fixo e encontra-se actualmente em casa a viver com a progenitora.

Falcon trabalhava numa empresa de videojogos e também como actor, tendo tido curtas aparições em séries como Melrose Place, Law & Order e Sex and the City. Mas numa recente entrevista à Sphere, o detentor da maior espingarda de carne falou de como sobrevive “entre empregos” devido à má situação económica. E apesar de estar talhado para ter carreira retumbante na indústria pornográfica, afirma não querer fazer filmes para adultos, porque, se o fizesse, “ninguém me levava a sério. Ninguém”.

Suportar tamanha cruz deve ser duro fardo e fico nauseado só de pensar na quantidade de sangue que precisará de direccionar ao local para alçar o mastro, isto sem falar na dor que pode provocar ao tentar entrar na gruta secreta das fêmeas. A inveja nunca foi pecado mortal de que padecesse e por isso confesso até sentir alguma pena do senhor, que, como eu, também está ligado à rede social da moda, o Facebook. Afinal, eu trabalho e há muito tempo cortei o cordão umbilical com a minha origem.

Nota: Traduzido e adaptado de The Huffington Post, juntamente com El Mundo, Rolling Stone e Sphere.
Fotografia: Mary Ellen Mark/Rolling Stone (Jonah Falcon na casa-de-banho do seu apartamento de Nova Iorque, em 2003)

7 de janeiro de 2010

Memórias da cave

Poucos dias antes do Natal ardeu o prédio cuja cave albergava o Hot Club de Portugal e a notícia trouxe-me à memória boas lembranças. Frequentei durante algum tempo a Escola da Jazz situada mesmo por cima (nos andares chamuscados) e recordo com saudosismo aquele lugar esconso e o pátio traseiro ao ar livre, paredes meias com o Parque Mayer e janela aberta para o Jardim Botânico.

Sempre foi habitual ver os músicos que vinham tocar a Lisboa passar pelo mítico espaço, nem que fosse para conversar com os congéneres locais e proporcionar aos felizardos a inevitável e ansiada jam session. Sem contar com outras infindáveis horas de são convívio, lembro particularmente três ocasiões que tive (juntamente com outras testemunhas) a felicidade de presenciar, sempre apertado, muitas vezes empoleirado nas escadas ou sentado à frente, de pernas cruzadas no chão, mesmo em cima dos artistas, sequioso de aprender e não perder pitada do que faziam:

1. Nesses tempos em que a oferta de diversão nocturna não era tão grande como agora, costumava lá ir beber uma cerveja à noite. Numa delas, assim que comecei a descer as escadas de ferro, reconheci imediatamente a música que soava lá em baixo, onde um excêntrico rapaz de cabelo despenteado tocava violino, acompanhado por contrabaixo, piano e bateria.

Tratava-se de Nigel Kennedy, violinista inglês muito em moda pelo disco As Quatro Estações, de Vivaldi, editado em 1989. Provavelmente estava em Portugal a promovê-lo, portanto terá acontecido por volta dessa altura. A melodia que saía do instrumento era, nem mais, nem menos, do que o All Blues, de Miles Davis – um dos meus trechos preferidos de um dos meus discos predilectos de sempre, Kind of Blue (1959).

2. Noutra vez, pude ver o excelente concerto do trompetista americano Freddie Hubbard, falecido em Dezembro de 2008, por ocasião de um festival de jazz organizado pela Câmara Municipal de Lisboa no Teatro São Luiz, nos primeiros tempos de Jorge Sampaio ou João Soares à frente da edilidade, a tocar, entre outros, com os portugueses Bernardo Sassetti, Pedro Moreira, Bernardo Moreira.

3. E recordo ainda a figura longilínea do realizador alemão Wim Wenders aquando das filmagens de Lisbon Story (1994), cuja banda sonora é da autoria dos Madredeus, a conversar animada e anonimamente ao fundo, perto do bar, de pé, mas ligeiramente de pescoço dobrado para caber naquela parte do covil e não bater com a cabeça no baixo tecto.

Por favor, deixem que os acordes de jazz voltem a soar no lendário número 39 da Praça da Alegria!

Nota: Não sei que é o autor da bela foto, para lhe poder dar o devido crédito, mas eu saquei-a do blogue Jazz no País do Improviso.

5 de janeiro de 2010

True Blood

Definitivamente, os vampiros estão na moda. Em Espanha começou ontem a dar a segunda série de True Blood na televisão, em Portugal a RTP estreia hoje a primeira pela noite dentro.

Dizia o El País: "True blood es otra muestra del poderío creativo de la mejor televisión trabajando a plena potencia. Basta revisar el material original: los libros de Charlaine Harris [Southern Vampires no original] son pobrísimos, unidimensionales, descaradamente adolescentes. Por el contrario, la versión de HBO tiene personajes carnosos, densidad argumental y múltiples lecturas. Ovación para Alan Ball, [argumentista] también responsable de A dos metros bajo tierra [Sete Palmos Debaixo de Terra] y de American beauty."

Parece a saga Twilight, de Stephenie Meyer: pobre literatura, mais apetecível no ecrã.

23 de dezembro de 2009

A lista

Ou o cabaz literário de Natal resultante do postado anterior, além do excitante e instrutivo Cozinho a Dobrar e Congelo:
A Ira de Deus, Edward Paice
A Sombra do que Fomos, Luis Sepúlveda
Barroco Tropical, José Eduardo Agualusa
Caim, José Saramago
Cemitério de Pianos, José Luís Peixoto
Jesusalém, Mia Couto
O Segredo de Cibele, Juliet Marillier
O Símbolo Perdido, Dan Brown

A ler:
A Lâmpada de Aladino, Luis Sepúlveda
O Espião de D. João II, Deana Barroqueiro

Irresistíveis (novos, a preço de segunda mão):
Deixem Passar o Homem Invisível, Rui Cardoso Martins (5€)
Depois de Morrer Aconteceram-me Muitas Coisas, Ricardo Adolfo (7,5€)

Desejados:
A Ilha, Giani Stuparich
A Morte de Bunny Munro, Nick Cave
Invisível, Paul Auster
O Mundo Branco do Rapaz-Coelho, Possidónio Cachapa
Os Espiões, Luis Fernando Verissimo
2666, Roberto Bolaño
Saber Perder, David Trueba
Trilogia Millennium de Stieg Larsson