O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), fiel zelador da herança dos nossos antepassados, pediu este mês mais esclarecimentos à equipa da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, sobre o projecto de abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, no Mosteiro de Santa Cruz, situado naquela cidade do rio Mondego.

Razão oficial: os investigadores não tinham obtido as necessárias autorizações», apesar de a cientista ter na sua posse uma permissão do IPPAR de Coimbra para tal. No início de Agosto, aquela entidade concluiu, em comunicado, que a autorização em causa fora emitida devido a «um erro administrativo e procedimental na condução do processo por parte da direcção regional de Coimbra, ao não submetê-la às devidas ponderações e decisão superiores».
O caso levou a que a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, emitisse um despacho, nesse mesmo mês, onde definiu as regras de abertura dos túmulos de figuras históricas. Mais tarde, a 16 de Novembro, o segundo pedido, contendo a reformulação do plano para cumprir as novas regras, deu entrada no IPPAR, que teve a partir daí 45 dias para se pronunciar. Sempre no limite legal dos prazos, como convém nestas coisas, fê-lo no final de Dezembro. Escudados no enraizado e secular atavismo da burocracia, os lóbis parece terem atacado em força, pois no início de Janeiro os investigadores coimbrões receberam o pedido para prestar mais esclarecimentos. Quem tem medo da verdade?
Intrigado pela sucessão de acontecimentos, o jornalista, escritor e historiador decidiu investigar. «O que descobri foi surpreendente, embora não o possa revelar na totalidade. Fá-lo-ei quando tiver concluído a investigação e reunido todas as provas. Para já, posso adiantar que dentro do grande túmulo existem duas urnas de madeira. Uma contém a ossada do rei. Quanto à outra, guardou em tempos os restos mortais de Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques. Mas já não. Em algum momento, entre o século XV e XXI, o conteúdo da pequena caixa foi substituído. Apesar das notícias oficiais, a investigadora chegou a abrir o túmulo. Contudo, a sua descoberta lançou tal pânico nas autoridades políticas, científicas e religiosas, que toda a operação foi interrompida. Dentro da carcomida urna não havia ossos mas papéis. E antes que fossem confiscados pela polícia ou pelo instituto governamental do património arquitectónico, a cientista tomou uma estranha decisão: entregou à minha guarda todos os manuscritos que encontrou no túmulo. Ignoro porque o fez, ou porque confiou em mim. Antes nunca tivesse tido essa ideia. A responsabilidade que deixou nas minhas mãos é mais pesada do me sentia capaz de suportar. Trata-se de uma dezena de livros, da autoria de um português, nascido na zona de Coimbra no início da década de 1120, chamado Raul Santo-Varão. Isto é certo. Tudo o resto é ainda um mistério. Há no entanto indícios de que os manuscritos, ou parte deles, terão sido entregues, ainda no século XII, a D. Teotónio, fundador e prior do Mosteiro de Santa Cruz, que os terá passado a um sucessor de confiança, e este a um outro e assim sucessivamente. (…) Nada disto é fácil de provar, e ainda menos de explicar. Mas tudo indica que D. Teotónio criou uma corrente, que atravessou a História, para garantir a sobrevivência dos manuscritos daquele que foi o seu amigo e aliado. Na origem dessa espécie de pacto, parece estar um compromisso com certas ideias revolucionárias que na altura surgiram na Europa, e a solidariedade com alguns cristãos portugueses que nasceram e viveram nas regiões ocupadas pelos muçulmanos. (…) Sabe-se que a Europa era atravessada por uma onda de fundamentalismo cristão (…), cujo líder mundial era o abade Bernardo Claraval. Esta ideologia altamente conservadora, que levou à criação da Ordem de Cister, em 1090, e depois à dos Templários, insurgia-se contra o racionalismo embrionário que surgia na Europa através de pensadores como Pedro Abelardo. Estas ordens instalaram-se em Portugal no tempo de D. Afonso Henriques, que adoptou este fundamentalismo como religião para o novo reino. Em troca, Bernardo de Claraval convenceu os cruzados a ajudarem na conquista de Lisboa e o papa a reconhecer a independência de Portugal.Sabe-se também que esta ideologia levou, durante a Reconquista, a uma política de extermínio não só das populações muçulmanas, mas também das cristãs que viviam sob o domínio muçulmano, os moçárabes. A sua língua e linhagem não eram "puras", depois de quatrocentos anos em terras mouras. Por isso se viu neles um perigo de contaminação dos cristãos "verdadeiros" e se optou pela "limpeza étnica". O novo reino, para existir, teria de ser étnico e religiosamente puro. Sabe-se ainda que, ao contrário dos mais altos signatários da Igreja portucalense, D. Teotónio se insurgiu contra este extermínio dos cristãos moçárabes. E que, por essa razão, se desentendeu com a rainha D. Mafalda. Tudo isto é conhecido dos historiadores. O que não se sabia, mas estou em condições de afirmar, é que D. Teotónio protagonizou várias operações, mais ou menos secretas, para tentar salvar os moçárabes. Não o tendo conseguido, empenhou-se pelo menos em que a história desse "genocídio" não fosse esquecida. Eis uma explicação possível para o culto destes manuscritos (…), conservados e por fim depositados junto a Afonso Henriques, na esperança de um dia serem encontrados e lidos. Esse dia talvez tenha chegado cedo demais. Porque Raul Santo-Varão conta histórias que ninguém conhecia, e que põem em causa a forma como conhecemos a História. (…) Contrafeito, mas fiel depositário do espólio de Santo-Varão, documentos de valor inestimável, tenho consciência da missão que, involuntariamente, assumi: divulgar, ainda que leve a vida toda a lutar contra os polícias da cultura, a obra do repórter medieval português».
2 comentários:
Olá Nuno,
Eu sou aficcionada por literatura histórica, de modo que lhe agradeço por ter trazido à minha atenção o livro do Paulo Moura. Fiquei curiosa e já pedi na minha biblioteca local para que o comprem. Você o leu?
Um abraço,
Vicky
Vicky, já o li sim e é um relato muito bom do que aconteceu na conquista de Lisboa aos mouros, em 1147, a que Paulo Moura (jornalista conceituado do jornal Público e professor universitário de jornalismo) dá forma de letra a condizer...
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