29 de janeiro de 2007

O beijo no Cunhal

O texto anterior reavivou uma história deliciosa passada há alguns anos com o Álvaro Cunhal e que teve a minha distinta irmã com protagonista. Qualquer criança teve os pais como principais referências, também ideológicas, o que nunca impediu de, mais tarde, quando conseguiu pensar pela própria cabeça, discordar deles em determinados assuntos, nomeadamente políticos.

Filho de pai comunista convicto, daqueles à antiga, era ainda petiz e não falhava umas quantas correrias pelas avenidas da democracia abertas pela Festa do Avante na Ajuda, junto a Monsanto, de lá excomungada pelo insensível Krus Abecassis, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e onde actualmente moram alguns pólos da Universidade Técnica.

Numa dessas visitas ao festim dos "comunas", calhou entrarmos – eu, pai, mãe e mana – na mesma altura que Cunhal o fazia num automóvel. Logo se gerou enorme burburinho entre os visitantes, e os mais velhos apressaram os respectivos rebentos para se meterem na fila que entretanto se formara para beijar o ilustre mártir da ditadura – o homem pacatamente instalado no banco do pendura e as criancinhas todas na osculação.

Bom, todas não, pois a minha irmã, empoleirada na janela oposta do carro, respondeu assim à pergunta do meu pai:
— Então Ana, não vais dar um beijinho ao senhor Cunhal?
— Eu não, respondeu ela refilona no meio da sua genuína inocência. Não o conheço de lado nenhum, rematou. Afinal, sempre lhe ensinaram que não se dão beijos a desconhecidos.

5 comentários:

triss disse...

Com ceteza!
tem bons instintos a tua irmã:-)

mas agora puseste-me a pensar...a geração dos nossos pais era muito mais participativa a nível político (percebe-se porquê), e então arrastava a filharada para comícios etc e tal.

Políticamente tenho nódoas na minha vida, que me são muito queridas. Andar na Diane descapotável da minha mãe pela Av. Roma, a agitar uma bandeira do PSD (imagina tu zé), é uma delas.

Enquanto tu amigo Zé corrias feliz pelos campos comunistas, eu descia a avenida da direita, já viste? :-)

Anónimo disse...

Já ouvi essa história várias vezes...
Se soubesse o que sei hoje ;-)
Mas crianças são sempre sinceras, não é o que dizem?

Já nessa altura eu era refilona...

Mas olha, por alguma razão na faculdade tinha um professor que me chamava Comunista, porque eu protestava com tudo: era com a falta de condições, era porque os professores faltavam às aulas e eu estar a pagar para eles faltarem, era porque chovia e eu chegava toda molhada às aulas (ia de mota), etc, etc, etc.

Mas a isto, um dos meus chefes (por esse mundo do trabalho) chamava: personalidade forte!

Bolacha Maria disse...

Ahahahaha!!Essa é muita boa!!é mesmo à Ana, sempre do contra!!Uma Já na altua uma revolucionária em potência!!

SC disse...

Como me revi neste post! Também ia com os meus pais a manifestações e à Festa do Avante!
(mas acho que nunca dei um beijo ao Cunhal)

W. V. D. disse...

Por alguma razão dizem que as crianças são puras, logicamente se ela já hoje não é muito certa imagina se tem dado o dito beijo e ainda ficava pior.
Lembro-me sempre do busto do senhor da barbinha que estava na sala de vossa casa, até me lembro que tu, grande comuna, até sabias o nome dele completo.
Eu pessoalmente não andei de Diane, mas andei muitas vezes de Ford Transit a encher a capital de propaganda.
Que belos tempos - que grandes Maiorias - que grandes Governos.
Ok
Agora já me podem chamar outra vez de reacionário.
Mas assumo que os tempos eram outros e que agora é tudo um bocadinho mais sujo e mercenário