26 de janeiro de 2007

O túmulo de D. Afonso Henriques

De acordo com uma sondagem publicada pela revista Sábado, na sua edição de ontem, D. Afonso Henriques lidera as preferências dos indígenas quanto ao melhor português de sempre, uma inicitiva da RTP. A propósito do estreante monarca pátrio, partilho a história que se segue inclusa num livro que não é best seller, mas devia destronar Dan Brown e o seu fantasiado Código da Vinci.

O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), fiel zelador da herança dos nossos antepassados, pediu este mês mais esclarecimentos à equipa da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, sobre o projecto de abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, no Mosteiro de Santa Cruz, situado naquela cidade do rio Mondego.

Segundo conta Paulo Moura, na introdução do seu livro 1147, O Tesouro de Lisboa, um relato da conquista da capital assinado por Raul Santo-Varão, espião, agente secreto e cronista, «o objectivo era, através de recolhas de ADN, análises químicas e toxicológicas, TAC e testes de radiocarbono, saber mais sobre a constituição física e a história do primeiro rei de Portugal. No último momento, porém, a abertura do túmulo foi cancelada pelo Governo.

Razão oficial: os investigadores não tinham obtido as necessárias autorizações», apesar de a cientista ter na sua posse uma permissão do IPPAR de Coimbra para tal. No início de Agosto, aquela entidade concluiu, em comunicado, que a autorização em causa fora emitida devido a «um erro administrativo e procedimental na condução do processo por parte da direcção regional de Coimbra, ao não submetê-la às devidas ponderações e decisão superiores».

O caso levou a que a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, emitisse um despacho, nesse mesmo mês, onde definiu as regras de abertura dos túmulos de figuras históricas. Mais tarde, a 16 de Novembro, o segundo pedido, contendo a reformulação do plano para cumprir as novas regras, deu entrada no IPPAR, que teve a partir daí 45 dias para se pronunciar. Sempre no limite legal dos prazos, como convém nestas coisas, fê-lo no final de Dezembro. Escudados no enraizado e secular atavismo da burocracia, os lóbis parece terem atacado em força, pois no início de Janeiro os investigadores coimbrões receberam o pedido para prestar mais esclarecimentos. Quem tem medo da verdade?

Intrigado pela sucessão de acontecimentos, o jornalista, escritor e historiador decidiu investigar. «O que descobri foi surpreendente, embora não o possa revelar na totalidade. Fá-lo-ei quando tiver concluído a investigação e reunido todas as provas. Para já, posso adiantar que dentro do grande túmulo existem duas urnas de madeira. Uma contém a ossada do rei. Quanto à outra, guardou em tempos os restos mortais de Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques. Mas já não. Em algum momento, entre o século XV e XXI, o conteúdo da pequena caixa foi substituído. Apesar das notícias oficiais, a investigadora chegou a abrir o túmulo. Contudo, a sua descoberta lançou tal pânico nas autoridades políticas, científicas e religiosas, que toda a operação foi interrompida. Dentro da carcomida urna não havia ossos mas papéis. E antes que fossem confiscados pela polícia ou pelo instituto governamental do património arquitectónico, a cientista tomou uma estranha decisão: entregou à minha guarda todos os manuscritos que encontrou no túmulo. Ignoro porque o fez, ou porque confiou em mim. Antes nunca tivesse tido essa ideia. A responsabilidade que deixou nas minhas mãos é mais pesada do me sentia capaz de suportar. Trata-se de uma dezena de livros, da autoria de um português, nascido na zona de Coimbra no início da década de 1120, chamado Raul Santo-Varão. Isto é certo. Tudo o resto é ainda um mistério. Há no entanto indícios de que os manuscritos, ou parte deles, terão sido entregues, ainda no século XII, a D. Teotónio, fundador e prior do Mosteiro de Santa Cruz, que os terá passado a um sucessor de confiança, e este a um outro e assim sucessivamente. (…) Nada disto é fácil de provar, e ainda menos de explicar. Mas tudo indica que D. Teotónio criou uma corrente, que atravessou a História, para garantir a sobrevivência dos manuscritos daquele que foi o seu amigo e aliado. Na origem dessa espécie de pacto, parece estar um compromisso com certas ideias revolucionárias que na altura surgiram na Europa, e a solidariedade com alguns cristãos portugueses que nasceram e viveram nas regiões ocupadas pelos muçulmanos. (…) Sabe-se que a Europa era atravessada por uma onda de fundamentalismo cristão (…), cujo líder mundial era o abade Bernardo Claraval. Esta ideologia altamente conservadora, que levou à criação da Ordem de Cister, em 1090, e depois à dos Templários, insurgia-se contra o racionalismo embrionário que surgia na Europa através de pensadores como Pedro Abelardo. Estas ordens instalaram-se em Portugal no tempo de D. Afonso Henriques, que adoptou este fundamentalismo como religião para o novo reino. Em troca, Bernardo de Claraval convenceu os cruzados a ajudarem na conquista de Lisboa e o papa a reconhecer a independência de Portugal.Sabe-se também que esta ideologia levou, durante a Reconquista, a uma política de extermínio não só das populações muçulmanas, mas também das cristãs que viviam sob o domínio muçulmano, os moçárabes. A sua língua e linhagem não eram "puras", depois de quatrocentos anos em terras mouras. Por isso se viu neles um perigo de contaminação dos cristãos "verdadeiros" e se optou pela "limpeza étnica". O novo reino, para existir, teria de ser étnico e religiosamente puro. Sabe-se ainda que, ao contrário dos mais altos signatários da Igreja portucalense, D. Teotónio se insurgiu contra este extermínio dos cristãos moçárabes. E que, por essa razão, se desentendeu com a rainha D. Mafalda. Tudo isto é conhecido dos historiadores. O que não se sabia, mas estou em condições de afirmar, é que D. Teotónio protagonizou várias operações, mais ou menos secretas, para tentar salvar os moçárabes. Não o tendo conseguido, empenhou-se pelo menos em que a história desse "genocídio" não fosse esquecida. Eis uma explicação possível para o culto destes manuscritos (…), conservados e por fim depositados junto a Afonso Henriques, na esperança de um dia serem encontrados e lidos. Esse dia talvez tenha chegado cedo demais. Porque Raul Santo-Varão conta histórias que ninguém conhecia, e que põem em causa a forma como conhecemos a História. (…) Contrafeito, mas fiel depositário do espólio de Santo-Varão, documentos de valor inestimável, tenho consciência da missão que, involuntariamente, assumi: divulgar, ainda que leve a vida toda a lutar contra os polícias da cultura, a obra do repórter medieval português».

2 comentários:

Vicky disse...

Olá Nuno,

Eu sou aficcionada por literatura histórica, de modo que lhe agradeço por ter trazido à minha atenção o livro do Paulo Moura. Fiquei curiosa e já pedi na minha biblioteca local para que o comprem. Você o leu?

Um abraço,

Vicky

José Nuno Pimentel disse...

Vicky, já o li sim e é um relato muito bom do que aconteceu na conquista de Lisboa aos mouros, em 1147, a que Paulo Moura (jornalista conceituado do jornal Público e professor universitário de jornalismo) dá forma de letra a condizer...