31 de janeiro de 2007

Assim não dá...

Não há físico nem espírito que aguente! Isto dá cabo duma pessoa! Ter de acordar cedo tornou-se um pesadelo! Aproveitando o facto de a caridosa TV Cabo ter colocado à disposição dos utentes do serviço clássico o canal Fox Life, no lugar do extinto SIC Comédia, ainda que momentaneamente, não há dia que não me deite alta a noite já se ia, como canta a Marisa Monte.

Além das gravações diárias de vários programas, o Nip Tuck, a Ally McBeal a começar depois das 23 horas, logo seguida pela Grey's Anatomy, não ajudam em nada e a situação piorou bastante nos últimos dias. É que emprestaram-me os seis primeiros episódios da terceira série do Lost, cuja exibição começou em Outubro do ano passado nos Estados Unidos, impecavelmente descarregados da Internet.

E porque é que os (poucos) bons programas dos quatro canais generalistas portugueses só começam quando a maior parte das gentes dorme profundamente? Zzzzz...

29 de janeiro de 2007

O beijo no Cunhal

O texto anterior reavivou uma história deliciosa passada há alguns anos com o Álvaro Cunhal e que teve a minha distinta irmã com protagonista. Qualquer criança teve os pais como principais referências, também ideológicas, o que nunca impediu de, mais tarde, quando conseguiu pensar pela própria cabeça, discordar deles em determinados assuntos, nomeadamente políticos.

Filho de pai comunista convicto, daqueles à antiga, era ainda petiz e não falhava umas quantas correrias pelas avenidas da democracia abertas pela Festa do Avante na Ajuda, junto a Monsanto, de lá excomungada pelo insensível Krus Abecassis, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e onde actualmente moram alguns pólos da Universidade Técnica.

Numa dessas visitas ao festim dos "comunas", calhou entrarmos – eu, pai, mãe e mana – na mesma altura que Cunhal o fazia num automóvel. Logo se gerou enorme burburinho entre os visitantes, e os mais velhos apressaram os respectivos rebentos para se meterem na fila que entretanto se formara para beijar o ilustre mártir da ditadura – o homem pacatamente instalado no banco do pendura e as criancinhas todas na osculação.

Bom, todas não, pois a minha irmã, empoleirada na janela oposta do carro, respondeu assim à pergunta do meu pai:
— Então Ana, não vais dar um beijinho ao senhor Cunhal?
— Eu não, respondeu ela refilona no meio da sua genuína inocência. Não o conheço de lado nenhum, rematou. Afinal, sempre lhe ensinaram que não se dão beijos a desconhecidos.

Os brandos costumes

Leio e nem acredito. De acordo com o semanário Sol, António de Oliveira Salazar e Álvaro Cunhal, por esta ordem, lideram as preferências quanto à eleição do melhor português de sempre (na lista da última edição da revista Sábado ocupavam a quarta e oitava posições, respectivamente). Se bem que ache uma eleição deste tipo perfeitamente idiota, ainda que tenha o mérito de pôr os nativos em confronto com a sua história e as personagens que a fizeram, o facto é, por si só, assustador. Transcrevo dois excertos de prosas sobre o assunto escritas por dois ilustres colunistas cá da praça:

«Salazar governou em ditadura durante quarenta e tal anos; Cunhal só não o fez porque foi impedido pela parte sã da nação. Salazar fez de nós o país mais retrógrado e subdesenvolvido da Europa; Cunhal fez o que pôde para nos transformar numa Albânia. Ainda hoje pagamos a factura, económica e intelectual, das suas heranças. Que grande parte dos portugueses ache que eles são os maiores portugueses de sempre entre nós explica a razão pela qual somos actualmente o mais atrasado país da Europa». Miguel Sousa Tavares, in Expresso (20/01/07)

«Estranho caso o de um país que se revê em Salazar e Cunhal. Um e outro conseguiram arrasar e perverter tudo em que tocaram e estão na origem da maior parte dos problemas de hoje». Vasco Pulido Valente, in Público (28/01/07)

Este último vai mesmo ao ponto de afirmar que o país pensado por ambos «não deixou ainda de existir na cabeça dos portugueses». Também penso assim, embora ninguém o admita publicamente. Parafraseando o grande Eça de Queiroz em 1871, noutras circunstâncias, «o país perdeu a inteligência e a consciência moral». Quando lhe perguntaram a opinião sobre Portugal, o distinto escriba respondeu: «Um país geralmente corrompido – em que aqueles mesmo que sofrem não se indignam por sofrer". As palavras são tão espantosamente actuais que começo a interrogar-me se alguma vez teremos emenda...

26 de janeiro de 2007

Requiem pela FNAC e elogio dos pequenos gestos

Confesso que sofri da doença durante bastante tempo. Não tenho pejo em admitir. Sim, fui "fnacodepende". Mais propriamente desde a abertura do primeiro antro em Portugal, no Colombo, nesse saudoso ano de 1998, de tão gratas memórias para nós, lisboetas.

O problema foi-se agravando de dia para dia e proporcionalmente ao avolumar de dinheiro na minha carteira. Poupar nunca foi o meu forte e, por isso, quanto mais disponibilidade financeira dispunha, aumentava exponencialmente o meu gasto naquilo que mais gostava, principalmente livros e CD's – mas também DVD's, almoços, lanches, petiscadas, jantares, noitadas, viagens... – e com as pessoas de quem mais gostava.

Sempre fui avesso a comprar livros através da Internet. Gosto do prazer de me sentar calmamente nas livrarias e lê-los, tocá-los, afagá-los, cheirá-los, manuseá-los com as minhas próprias minhas mãos. Essa foi, provavelmente – aliada à imensa variedade de opções –, a principal razão pela qual sempre gostei do conceito das lojas FNAC e fui seu frequentador desde a hora inicial. Com o correr dos anos e o aumento das responsabilidades – bicho castrador do prazer –, esses gastos naturalmente diminuíram.

Sem o frenético impulso de outrora, consigo hoje entrar numa FNAC e sair de lá sem ter comprado um único artigo, o que, não há muito tempo, afigurava-se tarefa impossível. Avesso a enchentes, aproveitava para fazer voto de abstinência na histérica altura do Natal, onde nem mesmo os terminais de pagamento rápido self-service, disponíveis no Colombo, conseguiam dar andamento à ânsia de estoirar dinheiro.

Ultimamente, tenho até sentido alguma aversão em entrar numa FNAC, devido ao excessivo, incomodativo e insuportável calor que se faz sentir dentro das lojas, nomeadamente quando faz muito frio lá fora. (Bem, mas para dizer a verdade todos os estabelecimentos do género padecem do mesmo problema!)

Após décadas sem qualquer sinal de melhoras, hoje, mais maduro e selectivo nas escolhas, posso dizer que estou curado. Ainda esta semana aproveitei o facto de apenas começar a trabalhar a seguir ao almoço e deambulei por algumas livrarias da Baixa de Lisboa, antes que fechem, fruto da invasão e da preferência das pessoas por gigantes como a FNAC, entre os quais eu me incluo – ou incluía.

Como é lógico, perdi-me na imensidão daquelas salas antigas, mas fiz questão de comprar um livro em cada uma delas, apesar dos magotes de gente que dantes provocava autênticas romarias restar agora apenas meia dúzia de ingénuos. Garanto que o próximo périplo será pelos alfarrabistas.

Moral da história? Ainda acredito que as imensas minorias fazem a diferença. Às vezes, um pequeno gesto de cada um de nós pode salvar estas riquíssimas livrarias, tão impregnadas de história. Às vezes, um pequeno gesto de cada um de nós, nas acções mais banais do nosso quotidiano, pode salvar o Planeta.

O túmulo de D. Afonso Henriques

De acordo com uma sondagem publicada pela revista Sábado, na sua edição de ontem, D. Afonso Henriques lidera as preferências dos indígenas quanto ao melhor português de sempre, uma inicitiva da RTP. A propósito do estreante monarca pátrio, partilho a história que se segue inclusa num livro que não é best seller, mas devia destronar Dan Brown e o seu fantasiado Código da Vinci.

O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), fiel zelador da herança dos nossos antepassados, pediu este mês mais esclarecimentos à equipa da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, sobre o projecto de abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, no Mosteiro de Santa Cruz, situado naquela cidade do rio Mondego.

Segundo conta Paulo Moura, na introdução do seu livro 1147, O Tesouro de Lisboa, um relato da conquista da capital assinado por Raul Santo-Varão, espião, agente secreto e cronista, «o objectivo era, através de recolhas de ADN, análises químicas e toxicológicas, TAC e testes de radiocarbono, saber mais sobre a constituição física e a história do primeiro rei de Portugal. No último momento, porém, a abertura do túmulo foi cancelada pelo Governo.

Razão oficial: os investigadores não tinham obtido as necessárias autorizações», apesar de a cientista ter na sua posse uma permissão do IPPAR de Coimbra para tal. No início de Agosto, aquela entidade concluiu, em comunicado, que a autorização em causa fora emitida devido a «um erro administrativo e procedimental na condução do processo por parte da direcção regional de Coimbra, ao não submetê-la às devidas ponderações e decisão superiores».

O caso levou a que a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, emitisse um despacho, nesse mesmo mês, onde definiu as regras de abertura dos túmulos de figuras históricas. Mais tarde, a 16 de Novembro, o segundo pedido, contendo a reformulação do plano para cumprir as novas regras, deu entrada no IPPAR, que teve a partir daí 45 dias para se pronunciar. Sempre no limite legal dos prazos, como convém nestas coisas, fê-lo no final de Dezembro. Escudados no enraizado e secular atavismo da burocracia, os lóbis parece terem atacado em força, pois no início de Janeiro os investigadores coimbrões receberam o pedido para prestar mais esclarecimentos. Quem tem medo da verdade?

Intrigado pela sucessão de acontecimentos, o jornalista, escritor e historiador decidiu investigar. «O que descobri foi surpreendente, embora não o possa revelar na totalidade. Fá-lo-ei quando tiver concluído a investigação e reunido todas as provas. Para já, posso adiantar que dentro do grande túmulo existem duas urnas de madeira. Uma contém a ossada do rei. Quanto à outra, guardou em tempos os restos mortais de Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques. Mas já não. Em algum momento, entre o século XV e XXI, o conteúdo da pequena caixa foi substituído. Apesar das notícias oficiais, a investigadora chegou a abrir o túmulo. Contudo, a sua descoberta lançou tal pânico nas autoridades políticas, científicas e religiosas, que toda a operação foi interrompida. Dentro da carcomida urna não havia ossos mas papéis. E antes que fossem confiscados pela polícia ou pelo instituto governamental do património arquitectónico, a cientista tomou uma estranha decisão: entregou à minha guarda todos os manuscritos que encontrou no túmulo. Ignoro porque o fez, ou porque confiou em mim. Antes nunca tivesse tido essa ideia. A responsabilidade que deixou nas minhas mãos é mais pesada do me sentia capaz de suportar. Trata-se de uma dezena de livros, da autoria de um português, nascido na zona de Coimbra no início da década de 1120, chamado Raul Santo-Varão. Isto é certo. Tudo o resto é ainda um mistério. Há no entanto indícios de que os manuscritos, ou parte deles, terão sido entregues, ainda no século XII, a D. Teotónio, fundador e prior do Mosteiro de Santa Cruz, que os terá passado a um sucessor de confiança, e este a um outro e assim sucessivamente. (…) Nada disto é fácil de provar, e ainda menos de explicar. Mas tudo indica que D. Teotónio criou uma corrente, que atravessou a História, para garantir a sobrevivência dos manuscritos daquele que foi o seu amigo e aliado. Na origem dessa espécie de pacto, parece estar um compromisso com certas ideias revolucionárias que na altura surgiram na Europa, e a solidariedade com alguns cristãos portugueses que nasceram e viveram nas regiões ocupadas pelos muçulmanos. (…) Sabe-se que a Europa era atravessada por uma onda de fundamentalismo cristão (…), cujo líder mundial era o abade Bernardo Claraval. Esta ideologia altamente conservadora, que levou à criação da Ordem de Cister, em 1090, e depois à dos Templários, insurgia-se contra o racionalismo embrionário que surgia na Europa através de pensadores como Pedro Abelardo. Estas ordens instalaram-se em Portugal no tempo de D. Afonso Henriques, que adoptou este fundamentalismo como religião para o novo reino. Em troca, Bernardo de Claraval convenceu os cruzados a ajudarem na conquista de Lisboa e o papa a reconhecer a independência de Portugal.Sabe-se também que esta ideologia levou, durante a Reconquista, a uma política de extermínio não só das populações muçulmanas, mas também das cristãs que viviam sob o domínio muçulmano, os moçárabes. A sua língua e linhagem não eram "puras", depois de quatrocentos anos em terras mouras. Por isso se viu neles um perigo de contaminação dos cristãos "verdadeiros" e se optou pela "limpeza étnica". O novo reino, para existir, teria de ser étnico e religiosamente puro. Sabe-se ainda que, ao contrário dos mais altos signatários da Igreja portucalense, D. Teotónio se insurgiu contra este extermínio dos cristãos moçárabes. E que, por essa razão, se desentendeu com a rainha D. Mafalda. Tudo isto é conhecido dos historiadores. O que não se sabia, mas estou em condições de afirmar, é que D. Teotónio protagonizou várias operações, mais ou menos secretas, para tentar salvar os moçárabes. Não o tendo conseguido, empenhou-se pelo menos em que a história desse "genocídio" não fosse esquecida. Eis uma explicação possível para o culto destes manuscritos (…), conservados e por fim depositados junto a Afonso Henriques, na esperança de um dia serem encontrados e lidos. Esse dia talvez tenha chegado cedo demais. Porque Raul Santo-Varão conta histórias que ninguém conhecia, e que põem em causa a forma como conhecemos a História. (…) Contrafeito, mas fiel depositário do espólio de Santo-Varão, documentos de valor inestimável, tenho consciência da missão que, involuntariamente, assumi: divulgar, ainda que leve a vida toda a lutar contra os polícias da cultura, a obra do repórter medieval português».

24 de janeiro de 2007

A justiça cega e estúpida

Sempre soubemos que a justiça era cega, mas recentemente ficámos também a saber que, às vezes, ela pode ser estúpida. Pelo menos é esta a leitura da decisão do Tribunal de Torres Novas em condenar a seis anos de prisão o exemplar pai adoptivo, com quem está desde os três meses, e ordenar a entrega de uma menina de quatro anos ao ausente progenitor biológico.

A onda de indignação cívica e de solidariedade gerada no seguimento da sentença mostra que talvez ainda tenhamos salvação. Na sua obra Ensaios, o historiador António Sérgio observara, há já uns anos, que «do que se carece em Portugal é de verdadeiros cidadãos».

Como este militar que, ao recusar-se entregar a menina, pôs em causa a sua própria liberdade. Querem maior prova de amor do que esta? O juiz achou que não...

23 de janeiro de 2007

O novo rosto de Dante

Em Itália, um grupo de cientistas revelou, na semana passada, o novo rosto do escritor Dante Aligheiri (1265-1321), considerado o pai da língua italiana e autor de A Divina Comédia. Segundo a reconstituição – feita através de novas técnicas de computador a partir do seu crânio, encontrado em 1921 –, o poeta tinha a cara mais redonda e o nariz menos aquilino do que normalmente se supunha.

Giovanni Boccaccio, o seu primeiro biógrafo, descreve-o também como tendo «estatura média, rosto longo, nariz aquilino e mandíbulas grandes, com o lábio inferior muito saliente», enquanto nos quadros de Botticelli e Giotto surge com enorme penca e cara longilínea.

«Devolvemos a Dante uma imagem mais humana. Os seus retratos são mais psicológicos do que reais», declarou Giorgio Gruppuioni, antropólogo da Universidade de Bolonha, ao jornal transalpino La Repubblica. Dante nasceu e viveu em Florença, embora mais tarde tivesse sido expulso da cidade devido a questões políticas, o que fez com morresse longe da jóia da Toscana. Por entre o labiríntico centro histórico do burgo fica situada a Casa de Dante, assinalada com um busto do autor na pequena praceta que a ladeia. Por sinal, ainda dos antigos.

19 de janeiro de 2007

O ovo, o pinto e o aborto

«Um ovo não é igual a um pinto. Um ovo não tem os mesmos direitos do que um frango». A brilhante afirmação é do jurista António Pinto Ribeiro, presidente do Fórum Justiça e Liberdades, ontem, em Lisboa, durante um debate sobre o referendo à interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas, popularmente conhecido por aborto.

Fica outra, talvez a mais fundamental de todas: «A mulher não pode ser impedida de decidir autonomamente sobre um processo que se passa dentro dela». É de homem!

18 de janeiro de 2007

Terreiro do Paço, a mais bela praça da Europa (II)

Lisboa sofreu enorme transformação durante os reinados de D. Manuel I e do seu sucessor, D. João III, O Piedoso (1521-1557). As vinhas e oliveiras que salpicam as colinas da capital desaparecem em poucos anos, enquanto os trabalhos de terraplanagem executados na Ribeira permitem abrir uma gigantesca plataforma quadrada, construída directamente no areal: o Terreiro do Paço – hoje Praça do Comércio –, que se torna o novo centro da capital, e onde, em pouco tempo, se vendem e trocam os mais variados produtos. É durante o governo do primeiro monarca – altura em que a Expansão portuguesa atinge o seu auge, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia, sob o comando de Vasco da Gama (1498), e o «achamento» do Brasil, por Pedro Álvares Cabral (dois anos mais tarde) – que a vida política e administrativa de Lisboa desloca-se da Alcáçova para a Ribeira, onde se localiza o novo palácio real, com janelas que dão directamente para o Tejo.

É no Terreiro Paço que a multidão se despede de D. Sebastião (1557-1578) quando este parte direito a Marrocos para a louca demanda africana e é lá, também, que o povo se junta depois para lamentar a morte d'O Desejado e o desaparecimento dos entes chegados, pois não há em Lisboa uma única casa em que não se chore a morte de um marido, de um pai ou de um irmão. É lá, ainda, que a multidão se acotovela para saudar o desembarque do rei Filipe III de Portugal, IV de Espanha.

Adaptado de História de Lisboa, de Dejanirah Couto

16 de janeiro de 2007

Bendito esquecimento e outras histórias de provecta idade

Não se lembrava de o ter feito anteriormente nessa semana e, como tal, um septuagenário residente em Portalegre registou três vezes o mesmo boletim do Tololoto. Resultado de tamanho olvido: arrecadou três dos quatro maiores prémios entregues pela Santa Casa no primeiro concurso de 2007, ou seja, perto de 618 mil euros. Segundo consta, o ancião não sofre daquela doença que tem o nome de um famoso neurologista alemão, do qual não me recordo neste momento... Mais a sério, a minha solidariedade vai, contudo, para o outro pobre contemplado, o incógnito, que nem sequer teve direito a referência na Imprensa. O que terá sentido ao saber disto, uma vez que se viu privado de dividir a meias o bolo de quase 824 mil euros quando, de facto, houve somente duas pessoas a acertar nos seis números mágicos?

Foi notícia nos derradeiros dias de Dezembro o facto de uma mulher, natural da Andaluzia, se ter tornado na mãe mais velha do planeta. Ao dar à luz um belo par de bebés, com 67 anos, superou o recorde pertencente à romena Adriana Iliescu, cuja façanha (igualmente gémeos) ocorrera em Janeiro de 2005, quando contava 66 primaveras. Para engravidar, a senhora submeteu-se a tratamento hormonal e fertilização in vitro. Interrogo-me sobre o que será, em termos psicológicos, a vida das duas crianças quando tiverem atingido os 15 anos, altura em que a progenitora terá 82...

Mais eloquente é a história do norte-americano Marvin Northen. Experienciou várias guerras nos 100 anos já vividos neste mundo e enfrentou a Grande Depressão de 1929, altura em que, por questões económicas, viu-se na contingência de ter que trabalhar para sustentar a família. Tendo abandonado a licenciatura em Gestão de Empresas na Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, quando lhe faltava somente uma cadeira para concluir o curso, nunca mais voltou aos bancos da faculdade. Contudo, foi surpreendido pela instituição no dia do seu centenário. Ao que parece, a disciplina em causa fora entretanto substituída por outra em que Northen passara com distinção e, por esse facto, embora com alguns anos de atrasado, os responsáveis da Universidade acharam ser motivo mais do que suficiente para laureá-lo com chapéu, toga e diploma emoldurado. E, por cá, ainda existe a Universidade para a Terceira Idade?

15 de janeiro de 2007

O Andy Garcia de Florença

Não sei se alguém se lembra disto, mas num episódio da segunda série do CSI (Las Vegas) o Gil Grissom desloca-se a tribunal e espanta-se ao ver que o meritíssimo juiz é, nem mais nem menos, o perigoso assassino Paul Millander (que aparecera em dois episódios da primeira saga), agora disfarçado sob o nome do respeitável Douglas Mason.

Confrontando por Grissom, Mason avança como justificação para aquela parecença o facto de algures no planeta existir um sósia de cada um de nós. A ideia assusta e, de forma simplista, é a teoria do doppelganger. A trama evolui - mais tarde vem a saber-se até que Millander nascera do sexo feminino -, mas o episódio Crise de Identidade é para aqui chamado a propósito do Andy Garcia de Florença, como ficou rotulado por mim e pela Mónica.

Chegados à hora de almoço à Piazza de Santa Croce, que deve o nome à bela igreja gótica cuja construção foi iniciada no século XIII, à qual se acrescentou depois nova fachada, resolvemos retemperar forças numa das esplanadas da praça. Mal nos sentámos, logo saltou à vista a impressionante parecença do empregado de mesa - bastante falador e com ar de verdadeiro macho latino, apesar de vestir um pólo cor-de-rosa a compor a calça de ganga gasta em tons de azul - com o famoso actor norte-americano.

Horas depois, à noite, quando passávamos ao pé da igreja de San Lorenzo, chamou-nos a atenção o burburinho provocado por um pequeno grupo de jovens raparigas à porta de um restaurante. O motivo? Precisamente a pessoa que nos servira ao almoço, e que provocava nelas risinhos histéricos. Foram mesmo ao ponto de tirarem fotografias com a personagem, nesta altura mascarado de distinto garçon – barba escanhoada, cabelo penteado para trás com gel e vestido a rigor com lacinho escuro ao pescoço, camisinha impecavelmente branca e calcinha preta de pinça.

11 de janeiro de 2007

Segundos de fama

É da autoria do pintor norte-americano Andy Warhol, ícone da Pop Art, a frase de que «um dia todos teremos direito a 15 minutos de fama». Neste caso, no entanto, tratam-se apenas de cinco segundos fugazes.

Num primeiro visionamento das imagens do concerto dos Humanos no Coliseu de Lisboa – datado de Junho de 2005 e cujo DVD foi posto à venda no último Natal –, é esta a ínfima fracção de tempo em que eu e a Mónica aparecemos a bater palmas em dois momentos distintos, mas perfeitamente nítidos entre o público.

Ela não descansou enquanto não cumpriu o objectivo e depois de algumas horas a passar a vista ao dito, algumas vezes em câmara lenta, lá conseguiu descobrir-nos entre a turba, apesar da minha insistência em recolher ao edredão. E ainda dizem que os nativos de Touro, como eu, são teimosos!

De repente, veio-me à memória um documentário sobre Carlos Paredes, o mago da guitarra portuguesa, gravado ainda na era da cassete de vídeo e parcialmente rodado no famigerado Bloco C – o único dos cinco austeros edifícios brancos que não tinha salas de aula – da actualmente conhecida como Escola Secundária José Gomes Ferreira, antes apenas Escola Secundária de Benfica e para os mais antigos simplesmente, e para sempre, a Secundária.

A dada altura, o travelling da câmara de filmar sobre o punhado de alunos que assistia àquele precioso concerto privado captou, durante escassos momentos, o meu olhar atento e deliciado sobre o mestre. Ainda hoje guardo religiosamente esse documentário numa velhinha VHS. Aquela imagem valeu por mil palavras!

10 de janeiro de 2007

Terreiro do Paço, a mais bela praça da Europa (I)

O Café Martinho da Arcada, o mais antigo de Lisboa, comemorou no passado domingo 225 anos de existência. O mítico lugar situado debaixo das arcadas dos edifícios que circundam a Praça do Comércio – ou Terreiro do Paço –, outrora poiso habitual do poeta Fernando Pessoa, abriu as portas a 7 de Janeiro de 1782 sob o nome o nome de Casa da Neve, devido à venda de gelados, «cujo consumo foi introduzido na cidade em 1619, por ocasião da entrada triunfal de Filipe III de Espanha», conforme relata o notável livro História de Lisboa, de Dejanirah Couto. Teve outras denominações até que em 183o ganhou a que ainda hoje se mantém.

A referência ao Martinho tem como finalidade contar alguns episódios históricos passados nesse esplêndido e «nobre espaço soalheiro do Terreiro do Paço, a mais bela praça da Europa, envolvido por palácios com arcadas, e a escadaria que desce até às águas do Tejo», nas palavras do escritor francês Valery Larbaud na Carta de Lisboa, datada de 1927.

Isto quando voltam a ser discutidos os planos de requalificação da zona e faltam somente alguns meses para ver desaparecer o estaleiro em que o lugar se transformou, desde que começaram as obras da linha e estação de metropolitano do Terreiro do Paço, cuja abertura está prevista para o final de 2007 - sete anos depois do acidente ocorrido no túnel, que atrasou os trabalhos, e quatro após a data de abertura inicialmente avançada.

Gigantesco salão de festas privilegiado da cidade de Lisboa, o local para onde D. Manuel I, O Venturoso, cujo reinado durou entre 1495 e 1521, transferiu o Paço Real, continua a ser apenas um ponto obrigatório para os estrangeiros que nos visitam ou sítio obrigatório de passagem para quem, todos os dias, atravessa por questões de trabalho as duas margens do rio, embalados pelo leva e traz dos cacilheiros.

Veremos se é desta que desalojam do piso térreo os vários ministérios que por lá sempre abundaram, e tornam vivo aquele imenso largo. Talvez devêssemos aprender com o exemplo espanhol, no que diz respeito ao aproveitamento das praças das principais cidades, sempre a fervilhar de gente a qualquer hora...

5 de janeiro de 2007

Peregrino de aluguer

A fé é mesmo um fenómeno misterioso. Intitula-se de pagador de promessas, mas é mais facilmente conhecido pelo peregrino de aluguer. A ideia, peregrina, por sinal, é do informático Carlos Gil, português de gema residente em Cascais, e retoma uma tradição da Idade Média. Depois de a televisão lusitana ter passado uma reportagem sobre o senhor, até o The Guardian pegou no assunto. "Alugue um peregrino: ele anda, você paga", titulou o prestigiado jornal britânico no final de Novembro.

A sã loucura custa 2500 euros por 15 dias de viagem de ida e volta, a pé, até ao Santuário de Fátima, local privilegiado para as romarias. De modo a comprovar que realiza o percurso, Gil entrega aos clientes no final da viagem um diploma onde constam carimbos da Juntas de Freguesia ou igrejas dos vários locais por onde passou. Seduzidos? Basta autorizarem a transferência bancária ou pagarem através de cartão de crédito.

Para quem ainda tivesse dúvidas sobre o facto de sermos um povo com ideias engenhosas... Mais informações em www.peregrino.org, disponível também nas línguas castelhana, inglesa e francesa – vale uma olhadela pela originalidade!

4 de janeiro de 2007

A canção de Natal perfeita

Eu até nem nutro especial gosto por esta época festiva, devido à súbita histeria consumista por ela provocada, mas passada toda a excitação do Natal (e Ano Novo) reitero a ideia de que ainda está para vir a música que destrone o Last Christmas, dos Wham!, como a minha canção preferida nesta quadra.

Editadas em Dezembro de 1985, fez agora 21 anos (!), a melodia e a letra permanecem teimosamente na nossa cabeça e nos nossos ouvidos... Volta, George Michael, estás perdoado! Mesmo depois de anos seguidos a usar o cabelo e penteado iguais ao da Lady Di, dos devaneios (homo)sexuais nas casas de banho públicas e do consumo de drogas, pelo qual vai a julgamento daqui a poucos dias!

Por falar nele, parece que o homem recebeu 2,5 milhões de euros para dar um concerto privado na noite da passagem de ano, na Rússia. O cantor viajou num avião particular e deixou Moscovo na manhã seguinte. Segundo o jornal britânico The Sun, a festa teria sido organizada pelo polémico milionário Vladimir Potanin.

3 de janeiro de 2007

O país das SMS e dos telemóveis

De acordo com os dados divulgados ontem pelas três operadoras móveis portuguesas, foram processadas 996 milhões de mensagens escritas nos telemóveis, vulgo SMS (do inglês Short Message Service), entre os dias 22 de Dezembro e 1 de Janeiro.

O assustador número representa um aumento de 400 milhões relativamente ao mesmo período de 2005, tendo o pico de tráfego acontecido entre as 00:05 e 00:35 do primeiro dia do novo ano, altura em que foram enviadas ou recebidas 1250 SMS por segundo. Isto sem contar com as versões imagem, áudio, vídeo ou texto animado, as MMS (Multimedia Message Service), que na TMN atingiram cinco milhões e na Optimus 1,5 milhões (a Vodafone não disponibilizou informação relativa a este dado).

Num país viciado em telemóveis – no total existem 11,5 milhões de aparelhos activos –, é natural que a febre na sua utilização seja massiva. Com as abreviaturas e caracteres em código a ganharem expressão nas mensagens enviadas através deste sistema, não faltará muito para que não saibamos escrever num português correcto, coisa que, infelizmente, nesta altura, está apenas ao alcance de poucos.

Além de não ter enviado qualquer SMS nesta quadra festiva, confesso ter recebido somente um cartão de boas festas no Natal. Escrito com caneta e pela própria mão de quem o enviou, situação que parece cada vez mais rarear. Porque o feito único merece referência, louvo a minha amiga Patrícia que, ainda para mais, despachou-o bem cedo e a tempo de evitar a oportuna greve dos trabalhadores dos CTT.

Mas, voltando aos telemóveis... Noutro dia, calhou não ter o meu durante algumas horas (estava perdido algures em casa). Como não possuo rede fixa em casa, comprei um desses cartões da PT para poder telefonar e utilizei para o efeito uma cabina, essa preciosidade inaugurada no ano de 1938 em Portugal e que, nos dias de hoje, é maioritariamente utilizada pelos estrangeiros que habitam nesta porção de terra banhada pelo Atlântico.

A experiência durou pouco, até porque o dito logo apareceu, e provavelmente não se repetirá num futuro próximo. Para mal dos 16 mil postos de telefone públicos espalhados pelo país que ainda resistem à doença dos telemóveis.

2 de janeiro de 2007

Piratas e Johnny Depp em alta

O filme Piratas das Caraíbas: O Cofre do Homem Morto (Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest) foi o campeão de bilheteira nos Estados Unidos em 2006, ao arrecadar a módica quantia de mais de 400 milhões de dólares de receitas, cerca de 305 milhões de euros.

Enquanto não chega a terceira sequela em que Johnny Depp interpreta o papel do inenarrável Capitão Jack Sparrow, prevista para este ano e cujo título original é Pirates of the Caribbean: At World's End, em Portugal, segundo o ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia), a fita ocupava, até 30 deNovembro, o segundo lugar entre as mais vistas no ano transacto, com 634.586 espectadores, a que correspondem proveitos brutos de quase 2,7 milhões de euros.

À frente do filme realizado por Gore Verbinski aparece apenas O Código Da Vinci (The Da Vinci Code), de Ron Howard (753.399; 3,3 milhões), numa lista onde o português Filme da Treta, de José Sacramento, ocupa surpreendentemente o nono lugar, visto por mais de 269 mil pessoas e receita bruta na ordem de um milhão de euros. Aguardamos pelos resultados finais.

Menina Cármen

O primeiro bebé português de 2007 nasceu exactamente às 00:00 do dia 1 de Janeiro, na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. O prematuro rebento veio ao mundo de parto normal, com 2,420 kg de peso, segundo informou a instituição, mas estava previsto chegar apenas em Fevereiro. Os progenitores, cabo-verdianos, certamente não tiveram qualquer intenção, pois a mãe até se chama Carmelita, mas o certo é que a menina que inaugurou as hostilidades do novo ano tem nome de origem castelhana.

O facto pouco deve ter importado aos 28 por cento de inquiridos que se mostraram a favor de qualquer forma de união política com Espanha, onde a estreia nesta era globalizante coube à pequena Teodora, numa sondagem revelada pelo semanário Sol, em Setembro passado. Filha de pais romenos, nasceu dois segundos após a meia-noite, em Madrid, no mesmo dia em que a Roménia, juntamente com a Bulgária, celebrou a entrada na União Europeia, agora composta por 27 Estados-membros. Em que lugar passa a estar agora Portugal? E a Espanha?

Não sendo propriamente apoiante da causa unionista, talvez devêssemos pensar melhor o nosso futuro estratégico de modo a criar uma verdadeira aliança ibérica. Provavelmente, só nos seria favorável, até porque, como dizia a saudosa poetisa Natália Correia, «a Ibéria é a nossa mãe comum».