3 de dezembro de 2008

António

Faria hoje 64 anos se fosse vivo. António de seu nome verdadeiro, Variações de artista. Tinha de partir em data solene, como os grandes, no dia de Santo António de 1984, o padroeiro de Lisboa, a cidade que outrora trocou pela remota aldeia minhota de Lugar de Pilar, ali para os lados de Braga. Homossexual assumido, terá sido a primeira figura pública a morrer infectado pela ainda desconhecida síndrome do HIV/SIDA.

Há precisamente um ano, entrei numa das papelarias do bairro onde costumo comprar os jornais e as revistas. A dona gere sozinha o estabelecimento e tem sempre por companhia um fanhoso rádio de pilhas. Decerto para assinalar o dia, ouvia-se a música dele em fundo.

- Ah o grande António!, disse eu.
- Gosta?, perguntou ela.
- Bastante! Era genial...
Num assomo de cumplicidade e saudade, a senhora sexagenária, nitidamente à espera de dois dedos de conversa para desenferrujar a língua e libertar a dor na alma, contou-me uma história.

- Sabe, era muito chegada ao António, se calhar das únicas amigas que ele tinha aqui no bairro. Ele podia ser o que lá aquilo que era (impecável definição da sua inclinação sexual para o lado masculino), mas era um amor de pessoa. O cabeleireiro dele [chamado "Prá menina e pró menino"] era mesmo aqui ao virar da esquina [ao fundo da minha rua, a escassos metros do local onde vivo, em plena Baixa da capital - onde está hoje uma loja que já foi tudo e agora é mercearia/drogaria]. Ele aqui na zona só frequentava dois ou três sítios: a minha papelaria, a tasca aqui defronte onde almoçava e a farmácia...

O que sempre me fascinou na figura dele, além do talento, foi a autenticidade e pureza naquilo que fazia e cantava. Ali parecia não haver mentiras, rasteiras, truques, parecia ser tal e qual aquilo que transparecia. E fazem falta mais pessoas assim...

1 comentário:

Tiago disse...

Ele cantou ser para amanhã o que se pode fazer hoje. Para além de tudo, tal bastava para ganhar lugar na eternidade.