9 de dezembro de 2008

Mais palavras para quê

Segundo o Correio da Manhã de hoje, «nos primeiros seis meses do ano, antes dos efeitos da crise se fazerem sentir de forma severa, os bancos a operar em Portugal lucraram 1,075 mil milhões de euros, de acordo com o boletim da Associação Portuguesa de Bancos. De Janeiro a Junho as instituições ganharam 5,9 milhões de euros por dia.»

O texto deste Bilhete Postal de Leonor Pinhão, pequena crónica diária (excepto aos domingos) – que não perco – da última página do matutino, é do passado dia 21 de Novembro:

«No final do século XIX, Maria Rattazzi, uma irlandesa casada com um italiano, passou dois Invernos em Portugal. Quando regressou à civilização publicou as suas impressões. A nação ficou ofendidíssima com a estrangeira.

Compreendam porquê neste trecho: "Em 1878, o Banco Ultramarino expiou as leviandades de uma péssima administração e o abuso de um guarda-livros e de um exército de directores. No dia imediato ao desastre, o tesouro público punha à disposição do Banco a soma de dois milhões de francos, o dobro dos desvios do fundo.

Porquê? Por que razão? Como é que os dinheiros do Estado têm que ver com um grupo de accionistas? E com que direito aqueles que administram os dinheiros públicos podem aplicá-los a socorrer um banco em falência?" Espectacular!»

Digam lá se não dá vontade de mandar tudo às urtigas e, por exemplo, passar a não pagar a prestação mensal do crédito da compra da casa, ainda o meu único encargo fixo a nível familiar, aliás, escrupulosamente cumprido! Claro que todos temos culpa nisto, pois aceitamos as regras do jogo muitas vezes sem barafustar, mas pode ser que tenha a mesma sorte do filho de Jardim Gonçalves, fundador do BCP, instituição que lhe perdoou uma dívida de 12 milhões de euros, considerados incobráveis pelo banco – o qual logo se prontificou a negar qualquer suspeita de favorecimento.

A notícia veio a público em Outubro de 2007 e, uns dias depois, perante o mal-estar causado, o pai assumiu o calote do descendente e ficou um pouco mais depauperado. Relembro que se tinham passado três anos, uma vez que o caso remontava a 2004. Se a situação não tivesse sido noticiada pela imprensa, mais uma vez, ninguém saberia de nada. E nem quero imaginar as retaliações que eu iria sofrer caso fosse eu a deixar de pagar... E querem que tenhamos contemplações com gente desta!

Nota: Do livro em causa, Portugal de Relance (Le Portugal à Vol d'Oiseau, 1879), editado no nosso país em 2004, deixo a sinopse da editora Antígona: A princesa Rattazzi (1813-1883), como era designada, foi publicista, romancista, poetisa, autora também de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo. Todavia em 1879, este livro desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Espelho da sociedade portuguesa do séc. XIX, nele ainda hoje se reflecte arrebatadamente o país.

2 comentários:

triss disse...

Portugal 1878 - Um retrato ontem e hoje. Nada passa de moda.

É como ler a Campanha Alegre do Eça. Mudam-se os nomes e no fundo é tudo a mesma coisa. A diferença é que infelizmente já muito poucos "farpeiam".

Quanto ao resto a minha indignação já está num nível que nem a sinto. Tipo anestesia. Deve ser qualquer tipo de recalcamento psicológico tenho a certeza.
Valha-me o recalcamentos.

José Nuno Pimentel disse...

triss, o teu comentário está lindo!