30 de dezembro de 2008

A prenda de Natal

Não tenho por hábito oferecer prendas no Natal, mas uns dias antes da data encontrei uma ideal para dar à Mónica, mais pelo divertimento que a situação iria provocar. Mandei embrulhá-la e o bonito, pequeno e leve pacote rectangular deixava, sem dúvida, adivinhar qualquer coisa misteriosa.

Em casa dos meus sogros ainda se vive a noite de abertura das prendas como manda o figurino da época: à meia-noite toca o alarme para a família ir à cozinha, perto da chaminé, ver as oferendas que o Pai Natal deixou no respectivo sapatinho, convocado literalmente para o efeito.

Apesar de me conhecer de gingeira, situação que lhe permite antecipar algumas das minhas jogadas, o dito presente deixou-a intrigada. "O que é que estás para aí a preparar?", perguntava-se ela. Ao abrir a caixa, graciosamente decorada e embrulhada com tanto carinho, desvendando o seu conteúdo, não conseguiu evitar a gargalhada e o progenitor dela, meio no gozo, deixou escapar um desiludido comentário:

— Ah e eu a pensar que era um anel [de noivado]! (Convém explicar: eu e a Mónica não somos casados – nem sequer em união de facto – e vivemos juntos há mais de três anos, mas sobre este assunto, de casamentos, noivados, anéis e afins, talvez um dia, se achar que vale a pena, disserte sobre ele...)

Bom, mas voltando à lembrança, realmente talvez não o recrimine. É que, em vez do anel, saiu à minha amada uma lata de fígados de tamboril – gourmet, alto lá! –, iguaria bastante do seu agrado.

28 de dezembro de 2008

Delicioso

Bem sei que o tinha em casa há algum tempo, mas andava há muito para ver este filme e confirmar a expectativa criada em redor dele. Por isso, nada melhor do que o dia de rescaldo do Natal e de uma malfadada e inoportuna gripe – no quentinho do lar, enfiado no sofá de pantufas, roupão, pijama e mantas – para o fazer.

Excelente história escrita pela jovem Diablo Cody (que inclusive lhe valeu o Óscar para o Melhor Argumento Original), excelente interpretação da protagonista Ellen Page e realização simples do igualmente moço canadiano Jason Reitman.

É o que basta para fazer bons filmes – não é preciso explosões nem espectaculares efeitos especiais! E a banda sonora escolhida é igualmente digna da película...

PS: Ah, e também vi o Mamma Mia! e o Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal!

22 de dezembro de 2008

Boa descoberta

A linguagem do romance, que esta tradução não desmente, é ora um inquietante trabalho de filigrana, ora um fantástico produto do delírio de Donoso [Santiago do Chile, 1924-1996]. (...) Monumental... Romance de mestre... Um livro inesquecível.

Excertos do texto da autoria de Francisco José Viegas (Revista Ler nº 69, Maio de 2008).

Ao chegar ao fim mais um Verão ("aquele que imaginámos como ponto de partida para esta ficção") passado na grande e rica casa familiar de Marulanda, os adultos da poderosa família dos Ventura y Ventura, "donos de uma província inteira", fazem uma excursão de um dia a uma mítica "paragem maravilhosa" das suas terras, deixando sozinhas as 33 crianças e adolescentes do clã.

A primeira parte do livro, A Partida, conta em sete capítulos o que se passou na casa durante esse "dia sem leis". A segunda parte, O Regresso, igualmente com sete capítulos, descreve o "caos" ali instalado e a reposição da "ordem".

[Esta casa] tem quase tudo (podendo o leitor meter lá outro tanto): excesso, ironia, decadência, perversidade, loucura, violência, sumptuosidade, crime, hipocrisia, sexo, fulgor e luxo. E uma biblioteca de livros vazios.

Excertos do texto da autoria de Mário Santos (04/04/2008, in Ípsilon/Público) reproduzido na página da editora na Internet.

19 de dezembro de 2008

Sugestão de Natal

O coro ComSonante, sob a direcção do maestro Luís Pedro Faro, interpreta a Segunda Cantata do Natal, de Fernando Lopes-Graça, este sábado, dia 20 de Dezembro, às 17h30, no Museu da Música Portuguesa (Casa Verdades de Faria), Monte Estoril.

O local não podia ser mais apropriado, pois é precisamente aí que está guardado todo o espólio da riquíssima cultura tradicional lusitana do canto recolhido por Lopes-Graça e Michel Giacometti nas andanças de ambos pelo nosso Portugal profundo.

A obra é constituída por um conjunto de 15 curtas peças que cobrem o período desde a chegada a Belém até à visitação dos Reis Magos. É uma história cantada ao género de Auto de Natal em várias molduras. Todas as peças têm origem na música tradicional portuguesa, oriunda sobretudo da Beira Baixa e do Alentejo, sendo a maioria dos temas de fácil reconhecimento, agradando a eruditos e melómanos.

As harmonizações introduzidas pelo maestro Lopes-Graça, entre 1960 e 1961, revelam não apenas a sua intensa actividade de pesquisa e o profundo respeito pela música do seu país como, e de forma sublime, a sua enorme capacidade para recriar ambientes polifónicos de várias épocas à escala da música europeia.

A sala tem capacidade para 120 pessoas e a actuação, cuja entrada é gratuita, terá cerca de 30 minutos.

Outra coisa: este vosso amigo faz parte do coro!

17 de dezembro de 2008

Desejo de Natal

Tinha prometido a mim mesmo que não falaria mais no assunto, até porque, como escreveu uma amiga num comentário feito neste blogue, também "a minha indignação já está num nível que nem a sinto. Tipo anestesia".

Mas eis que, enquanto o ministro das Finanças ameaça retirar a garantia de 20 mil milhões de euros aos putativos bancos (ui, devem estar cheios de medo!), caso estes persistam em não emprestar dinheiro ao depauperado tecido empresarial, os motoqueiros do Montijo andaram pelo 13º ano consecutivo a distribuir sorrisos, carinhos, brinquedos, roupas e doces por crianças, jovens e idosos carenciados de tudo isto.

A SIC mostrou a reportagem, mas deixo um dos diálogos entre a entrevistadora e um dos beneficiários da iniciativa, neste caso um rapazola:
- O que é que pediste ao Pai Natal?, pergunta a solícita repórter.
O miúdo hesita, talvez sem saber ao certo o que responder. A crise financeira dos milhões passa-lhe ao lado. Para quem tem pouco isso não interessa, por isso preocupa-se com coisas mais que o tocam mais de perto.
- … que o Benfica ganhasse este ano!

Talvez haja ainda alguma esperança...

12 de dezembro de 2008

Porque será?

A insatisfação com a democracia é a mais alta dos últimos 23 anos. Esta é uma das principais conclusões a tirar do estudo sobre a reforma institucional em Portugal, intitulado Os Deputados Portugueses em Perspectiva Comparada: Eleições, Liderança e Representação Política, apresentado na quarta-feira num seminário realizado na Assembleia da República, referia a edição do jornal Público do dia seguinte.

Mais referendos, voto personalizado, mais mulheres e mais formas de participação são alguns dos desejos dos eleitores, enquanto os deputados acham que o sistema eleitoral apenas precisa de alguns ajustes, acrescenta o diário.

Cada vez mais me sinto identificado com as personagens do livro Ensaio sobre a Lucidez (2004), de José Saramago – com quem me cruzei, de fugida, na Casa do Alentejo nesse mesmo dia ao final da tarde, numa homenagem aos dez anos passados sobre o Nobel da Literatura e 60 sobre a tão maltratada Declaração Universal dos Direitos do Homem –, cujo fio condutor é a revolta do povo perante o poder político ao votar massivamente em branco em determinadas eleições.

10 de dezembro de 2008

Mais palavras para quê (II)

Ontem ao início da tarde no "site" do jornal Público: Vítor Constâncio: economia não se encontra em recessão técnica

Ontem a meio da tarde no mesmo sítio: Vítor Constâncio admite, afinal, recessão técnica no final deste mês

Enquanto o Banco de Portugal continuar a ser mero (e fiel) despositário estatístico da nação, então estamos conversados.

Enquanto o Governo continuar a governar, nomeadamente na educação e na saúde, apenas para os números e em função deles, então estamos conversados.

Nota: Parece que vem aí o Natal, mas penso que já vos falei de como abomino esta altura do ano, não? Bom, o melhor é mesmo ficar por aqui para não ferir susceptibilidades... (Valha-nos a felicidade da criançada!)

9 de dezembro de 2008

Mais palavras para quê

Segundo o Correio da Manhã de hoje, «nos primeiros seis meses do ano, antes dos efeitos da crise se fazerem sentir de forma severa, os bancos a operar em Portugal lucraram 1,075 mil milhões de euros, de acordo com o boletim da Associação Portuguesa de Bancos. De Janeiro a Junho as instituições ganharam 5,9 milhões de euros por dia.»

O texto deste Bilhete Postal de Leonor Pinhão, pequena crónica diária (excepto aos domingos) – que não perco – da última página do matutino, é do passado dia 21 de Novembro:

«No final do século XIX, Maria Rattazzi, uma irlandesa casada com um italiano, passou dois Invernos em Portugal. Quando regressou à civilização publicou as suas impressões. A nação ficou ofendidíssima com a estrangeira.

Compreendam porquê neste trecho: "Em 1878, o Banco Ultramarino expiou as leviandades de uma péssima administração e o abuso de um guarda-livros e de um exército de directores. No dia imediato ao desastre, o tesouro público punha à disposição do Banco a soma de dois milhões de francos, o dobro dos desvios do fundo.

Porquê? Por que razão? Como é que os dinheiros do Estado têm que ver com um grupo de accionistas? E com que direito aqueles que administram os dinheiros públicos podem aplicá-los a socorrer um banco em falência?" Espectacular!»

Digam lá se não dá vontade de mandar tudo às urtigas e, por exemplo, passar a não pagar a prestação mensal do crédito da compra da casa, ainda o meu único encargo fixo a nível familiar, aliás, escrupulosamente cumprido! Claro que todos temos culpa nisto, pois aceitamos as regras do jogo muitas vezes sem barafustar, mas pode ser que tenha a mesma sorte do filho de Jardim Gonçalves, fundador do BCP, instituição que lhe perdoou uma dívida de 12 milhões de euros, considerados incobráveis pelo banco – o qual logo se prontificou a negar qualquer suspeita de favorecimento.

A notícia veio a público em Outubro de 2007 e, uns dias depois, perante o mal-estar causado, o pai assumiu o calote do descendente e ficou um pouco mais depauperado. Relembro que se tinham passado três anos, uma vez que o caso remontava a 2004. Se a situação não tivesse sido noticiada pela imprensa, mais uma vez, ninguém saberia de nada. E nem quero imaginar as retaliações que eu iria sofrer caso fosse eu a deixar de pagar... E querem que tenhamos contemplações com gente desta!

Nota: Do livro em causa, Portugal de Relance (Le Portugal à Vol d'Oiseau, 1879), editado no nosso país em 2004, deixo a sinopse da editora Antígona: A princesa Rattazzi (1813-1883), como era designada, foi publicista, romancista, poetisa, autora também de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo. Todavia em 1879, este livro desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Espelho da sociedade portuguesa do séc. XIX, nele ainda hoje se reflecte arrebatadamente o país.

3 de dezembro de 2008

António

Faria hoje 64 anos se fosse vivo. António de seu nome verdadeiro, Variações de artista. Tinha de partir em data solene, como os grandes, no dia de Santo António de 1984, o padroeiro de Lisboa, a cidade que outrora trocou pela remota aldeia minhota de Lugar de Pilar, ali para os lados de Braga. Homossexual assumido, terá sido a primeira figura pública a morrer infectado pela ainda desconhecida síndrome do HIV/SIDA.

Há precisamente um ano, entrei numa das papelarias do bairro onde costumo comprar os jornais e as revistas. A dona gere sozinha o estabelecimento e tem sempre por companhia um fanhoso rádio de pilhas. Decerto para assinalar o dia, ouvia-se a música dele em fundo.

- Ah o grande António!, disse eu.
- Gosta?, perguntou ela.
- Bastante! Era genial...
Num assomo de cumplicidade e saudade, a senhora sexagenária, nitidamente à espera de dois dedos de conversa para desenferrujar a língua e libertar a dor na alma, contou-me uma história.

- Sabe, era muito chegada ao António, se calhar das únicas amigas que ele tinha aqui no bairro. Ele podia ser o que lá aquilo que era (impecável definição da sua inclinação sexual para o lado masculino), mas era um amor de pessoa. O cabeleireiro dele [chamado "Prá menina e pró menino"] era mesmo aqui ao virar da esquina [ao fundo da minha rua, a escassos metros do local onde vivo, em plena Baixa da capital - onde está hoje uma loja que já foi tudo e agora é mercearia/drogaria]. Ele aqui na zona só frequentava dois ou três sítios: a minha papelaria, a tasca aqui defronte onde almoçava e a farmácia...

O que sempre me fascinou na figura dele, além do talento, foi a autenticidade e pureza naquilo que fazia e cantava. Ali parecia não haver mentiras, rasteiras, truques, parecia ser tal e qual aquilo que transparecia. E fazem falta mais pessoas assim...