9 de janeiro de 2009

A Viagem do Elefante

Lê-se quase de uma assentada e para os renitentes que nunca passaram os olhos pela escrita de José Saramago, seja por que razão for – mesmo aqueles que dizem não gostar sem terem lido uma linha sequer dos seus livros –, parece-me ser este um bom começo. Estão lá todas as marcas dele, que a sinopse em baixo até evidencia, embora não excessivamente.

Da sinopse:

Em meados do século XVI o rei D. João III ofereceu a seu primo, o arquiduque Maximiliano da Áustria, genro do imperador Carlos V [casado com Catarina, que veio a ser avó de D. Sebastião], um elefante indiano que há dois anos se encontrava em Belém, vindo da Índia.

Do facto histórico que foi essa oferta não abundam os testemunhos. Mas há alguns. Com base nesses escassos elementos, e sobretudo com uma poderosa imaginação de ficcionista que já nos deu obras-primas como Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago coloca agora nas mãos dos leitores esta obra excepcional que é A Viagem do Elefante.

Neste livro, escrito em condições de saúde muito precárias, não sabemos o que mais admirar - o estilo pessoal do autor exercido ao nível das suas melhores obras; uma combinação de personagens reais e inventadas que nos faz viver simultaneamente na realidade e na ficção; um olhar sobre a humanidade em que a ironia e o sarcasmo, marcas da lucidez implacável do autor, se combinam com a compaixão solidária com que o autor observa as fraquezas humanas.

Escrita dez anos após a atribuição do Prémio Nobel, A Viagem do Elefante mostra-nos um Saramago em todo o seu esplendor literário.

Do livro:

"Escarranchado sobre o encaixe do pescoço com o tronco maciço de salomão, manejando o bastão com que conduz a montada, quer por meio de leves toques quer com castigadoras pontoadas que fazem mossa na pela dura, o cornaca subhro, ou branco, prepara-se para ser a segunda ou terceira figura desta história, sendo a primeira, por natural primazia e obrigado protagonismo, o elefante salomão, e vindo depois, disputando em valias, ora este, ora aquele, ora por isto, ora por aquilo, o dito subhro e o arquiduque." (pág.36)


"Uma coisa que custa trabalho entender é que o arquiduque maximiliano tenha decidido fazer a viagem de regresso nesta época do ano [pleno Inverno], mas a história assim o deixou registado como facto incontroverso e documentado, avalizado por historiadores e confirmado pelo romancista, a quem haverá que perdoar certas liberdades em nome, não só do seu direito a inventar, mas também da necessidade de preencher os vazios para que não viesse a perder-se de todo a sagrada coerência do relato. No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso. Ou cornaca, apesar das descabeladas fantasias a que, por origem da profissão, parecem ser atreitos." (pág. 227)

Bom, e agora, com a vossa licença, vou mergulhar na nossa época de ouro, mais propriamente na vida de Bartolomeu Dias, protagonista de O Navegador da Passagem, de Deana Barroqueiro, livro do qual fiz referência há uns tempos. Então até ao meu regresso, pois este vou lê-lo nas calmas e com ajudas suplementares...

3 comentários:

SC disse...

Ainda pensei que o ia receber no Natal, mas nao tive essa sorte, vou ter mesmo de o comprar!

José Nuno Pimentel disse...

SC, se quiseres posso-to emprestar. Mas já há fila de espera... :)

SC disse...

Ora aqui está uma verdadeira proposta anti-crise. Muito obrigada.
Se todos forem como tu (a ler este livro) a espera não será longa. A ver, então. :)