10 de outubro de 2007

Um Reino Maravilhoso

Antes de contar alguns episódios da viagem por Trás-os-Montes e Minho, deixo uma advertência. Não vou sozinho. Acompanha-me o escritor Miguel Torga, transmontano de nascimento e minhoto por adopção, vulto maior das letras portugueses e tantas vezes incompreendido.

A primeira prosa é um excerto de Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes), divulgado pela primeira vez numa conferência em 1941 e publicado nove anos depois num volume a que chamou Portugal, no qual disserta sobre regiões e lugares desta «nesga de terra debruada de mar», como escreveu num poema.

«Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe como é dos mais belos que se possam imaginar.

Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a espessura do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?
Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. (...)»

3 comentários:

Philipa disse...

Bonito! Primeiro contacto em "Os Bichos" que li em 1989.

W. V. D. disse...

Gostei...

Anónimo disse...

Muito lindo... ;-)