29 de novembro de 2006

"The best view on the house"

Apesar das peripécias para sair de Veneza, o Sol brilha à chegada a Florença. Mas os planos iniciais para a primeira tarde passada na outrora capital do Reino de Itália - despachar a visita aos Uffizi, o maior museu de arte do país - saem furados, pois sem compra antecipada de entrada espera-nos mais de hora e meia na fila. Torci logo o nariz.

Para quem nem sequer visitou a Expo'98 durante o dia, tal era a falta de paciência para aturar gentes aos magotes em espera, a alternativa passou por comprar o ingresso antecipado para dali a dois dias, mediante o pagamento de uma sobretaxa, claro está, e aproveitar o simpático convite proporcionado pelas condições meteorológicas e começar a explorar o histórico centro florentino, elevado a Património Mundial pela UNESCO desde 1982.

Planeada naquele instante, arriscamos por nova rota, não tão audazes quanto os bravos e destemidos navegadores portugueses que deram a conhecer novos mundos ao Mundo no séc. XVI - muitas vezes mareando completamente rumo ao desconhecido -, embora talvez imbuídos da mesma carga onírica.

Com o céu azul e o horizonte limpo, nada melhor do que começar por ver o ex-líbris da cidade, a Duomo (catedral), ladeada pelo respectivo Campanile (campanário). Subir ao ponto mais alto custa seis euros e não é para todos, pois não há elevadores - à entrada existem mesmo avisos que desaconselham as pessoas com problemas cardíacos a subir a escadaria.

São 463 e 411 degraus, respectivamente. A dobrar, é bom de ver. Optamos pela primeira opção, sempre se atinge um ponto mais elevado e é verdadeiramente imponente. Após alguns minutos a escalar por entre as entranhas daquela magnífica obra de engenharia alcançamos finalmente o topo da cúpula.

No último lanço íngreme das escadas de acesso ao terraço circular cruzamo-nos com um pequeno grupo de americanos, tal como em Veneza nos dias anteriores, a verdadeira praga nesta altura do ano em Itália, pior mesmo que os pombos, as motoretas e a confusão do trânsito. Um deles vira-se para nós e dispara:
- The best view on the house!
Engana-se, pois, tal como nós, provavelmente ainda não viu Florença desde o miradouro da Piazzale Michelangelo - uma vista sublime num local a condizer, principalmente ao entardecer...

24 de novembro de 2006

Efemérides e transições...

No final de uma semana atribulada, que me deixou pouco tempo para as lides bloguistas, não quero deixar de assinalar, esta sexta-feira, os 100 anos sobre o nascimento de Rómulo de Carvalho, professor de Físico-Química, divulgador científico, humanista, ou António Gedeão, heterónimo do poeta das coisas simples, como preferirem, e o desaparecimento, no dia anterior, do actor francês Phillippe Noiret, aos 76 anos.

Sem menosprezar a personagem de Pablo Neruda interpretada em Il Postino (O Carteiro de Pablo Neruda), na minha memória perdurará para sempre a comovente figura do imortal Alfredo nessa verdadeira ode ao cinema, ao amor, ao amor pelo cinema, ao cinema do amor, que constituiu o tocante filme Nuovo Cinema Paradiso (Cinema Paraíso). E pensar que a película data de 1988...

17 de novembro de 2006

«Non c'è il motorista!»

Após dois dias na Rainha do Adriático, eis-nos a caminho de Florença, a jóia da Renascença. Vamos de comboio, o Eurostar da Trenitalia (intercidades), mas temos de o apanhar em Mestre, povoação onde pululam hotéis, residenciais, pensões e outros sítios para dormir, situada nos arredores de Veneza, apenas a dez minutos de distância. Ir de Mestre a Veneza, e vice-versa, não constitui problema, pois as ligações ferroviárias entre ambas as estações são espaçadas por poucos minutos. Bom, nem sempre.

Tomámos assento no primeiro comboio que, supostamente, saía da estação - um edifício austero, a fazer lembrar os tempos da II Guerra Mundial -, mas à hora marcada o veículo permaneceu imóvel. Dispúnhamos de alguma margem de segurança relativamente ao horário e por isso ficámos sentados. Os poucos passageiros entreolhavam-se. Ao nosso lado víamos sair outras composições. Começámos a ficar impacientes e preocupados, uma vez que o tempo corria e nós quietos. Resolvi sair para ver o que se passava e quando interpelei uma senhora dos caminhos-de-ferro italianos, que andava pela plataforma de walkie-talkie na mão, ouvi dela uma explicação perfeitamente plausível para o mistério:
- Non c'è il motorista!, disse.

«Elementar, meu caro Watson», como dizia o outro, sem condutor a máquina não anda. O sucedido fez-me recordar a nota de abertura do livro À Noite Logo se Vê, do escritor Mário Zambujal: «Todo o mistério tem explicação. A explicação é que pode ser inexplicável». Voilà!
Por fim, muito a custo, lá seguimos caminho noutro trem, não sem antes termos primeiro visto partir aquele que acabáramos de abandonar. Percebemos depois o que se passara - havia greve de comboios nesse dia. E foi o que nos valeu, porque em Mestre o Intercidades atrasou mais de meia-hora, chegando a Florença muito depois do previsto.

De tal forma que, para minimizar o transtorno causado, a própria companhia informou os passageiros que podiam solicitar a restituição de metade do preço dos bilhetes. Preenchida a papelada, pode ser que daqui a algum tempo haja, algures em Lisboa, um repasto guloso com o alto patrocínio da Trenitalia.

16 de novembro de 2006

Direito ao Ferreira Fernandes

Não sou comprador habitual do Correio da Manhã, mas sempre que apanho um por aí vou logo direito à última página. À procura do Ferreira Fernandes.

A pequena coluna que este experiente jornalista assina nas costas daquele diário, de segunda a sábado, é um dos pequenos prazeres que não dispenso. Mesmo se, muitas vezes, a ela tenha acesso apenas através da Internet e não possa sentir o inconfundível cheiro do papel de jornal, nem sujar as minhas mãos de tinta com o seu manuseamento, duas coisas que, estranhamente, me causam deleite.

Não são mais de 140 palavras ou 800 caracteres. Dizer tanto em tão pouco espaço só está ao alcance de alguns. Fazê-lo da forma talentosa, culta, inteligente, mordaz, irónica, atenta, perspicaz e directa como ele consegue é brilhante. Aqui fica o elogio. (Em 133 palavras e 794 caracteres, com espaços, claro.)

15 de novembro de 2006

Veneza lá do alto

Custa seis euros e demora escassos segundos de elevador mas vale a pena subir ao Campanile da Praça de São Marcos para ver Veneza, a lagoa e os canais que a serpenteiam lá do alto. Em dias de horizonte limpo enxerga-se os Alpes, não muito longe dali.

A praça é o sítio mais emblemático da cidade e palco do desfile das máscaras do segundo mais famoso Carnaval do mundo, a seguir ao do Rio de Janeiro, no Brasil. (Em terceiro na lista de preferências vem, com certeza, o do Funchal, com o inefável Alberto João Jardim a desfilar!)

É lá também que se situam três cafés à moda antiga que nos remetem para memórias de outras eras e onde se pode descansar a cabeça, o olhar, o espírito e o físico ao som de música de câmara, não apenas clássica, todos eles com esplanadas na praça e de preços proibitivos ao comum dos mortais. À esquerda fica o Florian, o mais conhecido; do lado direito o Caffé Lavena e o Gran Caffé Quadri. Virado para o Palácio Ducal, ao pé das colunas de São Marcos e São Teodoro, existe ainda outro, o Gran Caffé Chieggia.

14 de novembro de 2006

Aos beijos em Paris, ou talvez não...

Paris, a cidade do amor e do romantismo, já viveu melhores dias. Pelo menos a julgar pelas poucas pessoas que se juntaram na capital francesa para imitar o apaixonado par na imortal fotografia de Robert Doisneau - datada de 1950 e cujo título é Le Baiser sur l'Hotel de Ville - e tentar bater o recorde mundial de beijos na boca no mesmo local.

Segundo deu eco a Imprensa, foram apenas 1188 aqueles que se dignaram a participar na iniciativa promovida na quinta-feira passada, 9 de Novembro, pelo Guinnes Book of Records, de modo a assinalar o Dia dos Recordes. Rezam as crónicas que a escolha do local onde decorreu a osculação poderá ter influenciado o desfecho, pois a zona de escritórios de La Defense não é propriamente o lugar mais poético da Cidade Luz.

Outra das acções do dia aconteceu em pleno Estádio da Luz, em Lisboa, onde aquela entidade certificou o Benfica como o maior clube do Mundo em número de sócios activos, 160.398, marca que constitui novo recorde planetário. Lanço daqui um apelo: benfiquistas de todos os cantos, uni-vos para bater o máximo de 11.570 criaturas que, no ano passado, em Budapeste, na Hungria, quebraram a barreira que os pobres parisienses não conseguiram superar! Como não sou sócio, talvez aparecesse como simpatizante e adepto. Do Glorioso e do roçar dos beiços, claro…

13 de novembro de 2006

Silêncio no Grande Canal

Os vaporettos, como são conhecidos os barcos que fazem as vezes dos autocarros em Veneza, proporcionam o único meio de transporte acessível às depauperadas bolsas lusitanas numa cidade como esta, onde a água é rainha.

Além disso, andar a pé sempre pode ser umas boas formas de conhecer a fundo os locais citadinos e que melhor passeio pode haver quando não se ouve a confusão e o barulho ensurdecedor dos motores dos carros e das motorizadas, verdadeiras pragas neste país.

Numa dessas caminhadas, a vista do Grande Canal a partir da Ponte della Accademia constitui ponto de passagem obrigatório. Ao fundo, a impressionante igreja barroca de Santa Maria della Salute. Terminada em 1687, constitui um dos imponentes marcos arquitectónicos de Veneza.

10 de novembro de 2006

O estado da blogosfera

Recentemente iniciado nestas andanças deixo alguns números sobre a crescente profusão dos blogues, segundo o estudo norte-americano State of the Blogosphere, October, 2006 divulgado no passado dia 6 de Novembro.

De acordo com a análise, existem mais de 57 milhões de blogues registados, estando 55 por cento destes activos, o que significa que foram actualizados pelo menos uma vez nos últimos três meses.

A blogosfera continua a aumentar com vivacidade, pois segundo o relatório foram criados três milhões de blogues por mês durante o terceiro trimestre de 2006 e 100 mil diariamente, o que faz com que a blogosfera duplique todos os 234 dias. Impressionante!

9 de novembro de 2006

YouTube é a invenção do ano

O site YouTube foi a principal invenção do ano de 2006 segundo a revista norte-americana Time, que lhe dedica extensa prosa na sua última edição.

Visitado por 27,6 milhões de utilizadores durante o mês de Setembro, o site de partilha de vídeos, recentemente comprado pelo Google por 1300 milhões de euros, começou timidamente com um pequeno filme de uma viagem ao jardim zoológico, em Abril do ano passado.

Nesta altura contém cerca de 100 milhões de vídeos, aos quais são acrescentados mais 70 mil todos os dias.

8 de novembro de 2006

Grissom, Oscar Wilde e a ambição

Terminado o visionamento das duas primeiras séries do Lost na RTP e depois ter devorado sofregamente em casa a primeira, em DVD, virei-me quase exclusivamente para os episódios da sexta série do CSI (Las Vegas), actualmente em exibição às terças-feiras e sábados no AXN.

Apesar das passadas em Miami com Horatio Cane e Nova Iorque com Mac Taylor, honestamente interpretadas por David Caruso e Gary Sinise, respectivamente, não há amor como o primeiro e quem bata o desconcertante Gil Grissom (William Petersen).

Num destes novos episódios, o Grissom resolve um complicado caso ao xerife de Las Vegas, numa altura em que se aproximavam eleições estaduais e este, reconhecido, interpelou o chefe do laboratório forense no sentido de saber as suas ambições, se aspirava a algum cargo de maior responsabilidade, até político, ou a qualquer promoção.

Depois de dizer que se tinha atrasado a escrever o relatório de avaliação do pessoal, fundamental para desbloquear as verbas para o laboratório prosseguir o trabalho - e que o xerife se prontificou a solucionar - a resposta do Grissom foi elucidativa:
- You know... Oscar Wilde once said: ambition is the last refuge of failure. I'm fine thanks!
Brilhante!

7 de novembro de 2006

Jogo de espelhos

Depois da chuva e do céu cinzento, o sol apareceu para dar as boas-vindas.

Veneza é assim, bela e única, principalmente quando a acqua alta invade a Praça de São Marcos e afasta a praga dos pombos, permitindo ver o reflexo dela própria.

O fenómeno acontece com alguma frequência a partir de Setembro e o espectáculo vale bem a pena...

Os vassourinhas do curling

Não, não vou falar de futebol e muito menos do Benfica! A honra da primeira referência ao desporto nestas humildes páginas cabe ao curling, essa nobre modalidade de Inverno, olímpica desde 1998 e, segundo consta, engendrada pelos escoceses no séc. XVI.

O curling é jogado por equipas de quatro elementos e consiste no lançamento de pedras chatas de dimensões razoáveis e impecavelmente polidas sobre uma pista de gelo em direcção a um alvo marcado no chão. Simplificando, ganha quem conseguir colocar as ditas mais perto do centro.

Mais do que a precisão e estratégia do lançador, o que sempre me impressionou foram as enérgicas varridelas dos outros três elementos da equipa de modo a manterem impecavelmente limpo o caminho. Certamente dispõem de vassouras especiais, mas eu nunca fui na conversa. Limpar e varrer têm a sua arte, e é por isso que nunca me aventurei muito em tal mester.

No entanto, não posso deixar de sentir alguma compaixão por essas simpáticas figuras que esfregam o piso antes da passagem da pedra. Quantas horas treinarão? Seguirão o Cantiflas como modelo? Como estarão inscritas nas Finanças? Com que código? E como descontarão para a Segurança Social?

Confesso que o curling, ao contrário do digno ofício dos trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa que calcorreiam de lés-a-lés a cidade onde nasci e habito, me desperta o mesmo interesse e curiosidade que a vida do inenarrável José Castelo Branco. Mas ainda bem que em Portugal reina o sol e a neve e o frio escasseiam, pois certamente estas personagens seriam votadas ao ostracismo.

Imaginem só a cena passada numa qualquer repartição pública deste país. Na parte dos impressos para preencher a actividade profissional alguém escreveria: vassourinha do curling. À boa maneira portuguesa, o receptor dos documentos tentaria desfazer a dúvida esboçando um sorriso gozador e maquiavélico.
- Sim, mas o que é faz realmente na vida?
- (...)
Convenhamos que desmoraliza qualquer um...

6 de novembro de 2006

Bem-vindos a Itália!

Confesso que me delicio sempre a ver a pressa das pessoas em sair dos aviões logo que estes aterram, embora compreenda essa vertigem de pisar terra firme, depois de algumas horas fechadas a desafiar a lei da gravidade. Mal a aeronave se imobiliza na pista e é vê-las ansiosas em busca dos pertences que normalmente atafulham os compartimentos situados por cima dos assentos, apenas para depois esperarem carregadas, de pé, no corredor. É certinho e não falha, e pude confirmar isso mesmo, uma vez mais, na chegada a Veneza.

Abençoados pela forte chuva oblíqua que caía do céu carregado, decidimos abandonar o pássaro pela escada dianteira ao invés da traseira, pois íamos sair directamente para a pista, sem qualquer protecção (cobertura, guarda-chuva ou impermeável), e aquela era a única que dispunha de coberta. Mas como estávamos na cauda do bicho, tivemos de esperar que saíssem todos os incautos prestes a ficarem encharcados de modo a podermos retomar o caminho corredor adentro. Connosco ficou também uma velhota americana, de andar vagaroso, cujo conhecimento sobre Lisboa se limitava, conforme testemunhei depois numa breve conversa, ao voo de escala efectuado pelo seu avião, vindo dos Estados Unidos, em direcção a Itália.

Chegados finalmente à porta da frente, uma falha de comunicação hilariante entre a italiana que gesticulava energicamente no comando das operações de desembarque, na pista do aeroporto, e uma das hospedeiras da TAP, fez com que a primeira desse ordem de marcha antes de tempo ao autocarro que esperava os últimos cinco passageiros - eu, a Mónica, a americana e uma senhora aparentando cerca de 40 anos, deficiente de cadeira de rodas, que aguardava pacientemente juntamente com o marido a chegada do ambulatório.
Perante o caricato mal-entendido, a aeromoça logo vociferou:
- Estes italianos são mesmo estúpidos!

Depois de saber que se travava da primeira vez que estávamos, segundo ela, na confusão das terras transalpinas, virou-se para nós, incrédulos a assistir àquele pitoresco quadro surrealista, e disparou com um sorriso irónico:
- Bem-vindos a Itália!
Pouco depois, entre sonoras gargalhadas provocadas pela inusitada recepção de que fomos alvo, lá pusemos o pé firme em solo italiano levados todos pelo veículo ambulatório.

Mergulho

Passada a relutância inicial mergulho de cabeça na blogosfera com o objectivo de contar o primeiro episódio engraçado no início de 15 dias passados com a Mónica às voltas em Itália, deambulando por Veneza, Florença e pela bela região da Toscana, entre final de Setembro e início de Outubro de 2006.

Seguir-se-á a partilha de outras histórias, anseios, dúvidas, desabafos, devaneios e emoções sobre os mais variados assuntos...