7 de dezembro de 2006

Anjos da lama

Passear à beira-rio nas margens do Arno e contemplar a Ponte Vecchio - a mais conhecida de todas, por albergar as famosas ourivesarias florentinas e, curiosamente, a única que não foi destruída durante a II Guerra Mundial (1939-44) - são alguns dos prazeres que Florença tem para oferecer. Mas bem diferente era o cenário há 40 anos, naquele fatídico dia 4 de Novembro de 1966.

Dois dias de chuva ininterrupta fazem o rio galgar as bordas que o oprimem e subir, em alguns locais, 11 metros acima do nível normal. Torrentes de lama e água inundam museus, bibliotecas e igrejas da cidade-berço do Renascimento, danificando muitas obras de arte. Os prejuízos são incalculáveis, mas em vez dos lamentos e fatalismos, tão próprios das horas adversas, a população local arregaça as mangas e mete mãos à obra, gerando uma onda de solidariedade espontânea e desinteressada que faz deslocar até Florença gente de toda a Itália e de várias partes do Mundo, cujo intuito é, unicamente, salvar o património artístico e arquitectónico da cidade.

O drama é retratado em La Meglio Gioventù (A Melhor Juventude, 2003), de Marco Tullio Giordana, filme de seis horas (!) - e por isso disponível em dois DVD's - que atravessa a vivência de uma família italiana desde o Verão de '66 e na qual a personagem Nicola, um dos irmãos que centralizam a acção, então no estrangeiro, regressa ao país natal quando toma conhecimento da tragédia.

A foto que encima esta prosa foi tirada no final de Setembro de 2006. Poucas semanas depois assinalam-se precisamente quatro décadas sobre o dilúvio que se abateu sobre o belo burgo da Toscana, causando danos artísticos, económicos e humanos sem precedentes. Entre as inúmeras efemérides para evocar a data há a recente edição do livro intitulado 4 Novembre 1966 - L' alluvione a Firenze, no qual se presta homenagem aos magotes de anónimos que ajudaram a reerguer a cidade e ficaram conhecidos pelos "anjos da lama". Um exemplo a seguir de abnegação, espírito de luta, responsabilidade cívica e, sobretudo, amor pela arte e pela cidade.

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