7 de janeiro de 2010

Memórias da cave

Poucos dias antes do Natal ardeu o prédio cuja cave albergava o Hot Club de Portugal e a notícia trouxe-me à memória boas lembranças. Frequentei durante algum tempo a Escola da Jazz situada mesmo por cima (nos andares chamuscados) e recordo com saudosismo aquele lugar esconso e o pátio traseiro ao ar livre, paredes meias com o Parque Mayer e janela aberta para o Jardim Botânico.

Sempre foi habitual ver os músicos que vinham tocar a Lisboa passar pelo mítico espaço, nem que fosse para conversar com os congéneres locais e proporcionar aos felizardos a inevitável e ansiada jam session. Sem contar com outras infindáveis horas de são convívio, lembro particularmente três ocasiões que tive (juntamente com outras testemunhas) a felicidade de presenciar, sempre apertado, muitas vezes empoleirado nas escadas ou sentado à frente, de pernas cruzadas no chão, mesmo em cima dos artistas, sequioso de aprender e não perder pitada do que faziam:

1. Nesses tempos em que a oferta de diversão nocturna não era tão grande como agora, costumava lá ir beber uma cerveja à noite. Numa delas, assim que comecei a descer as escadas de ferro, reconheci imediatamente a música que soava lá em baixo, onde um excêntrico rapaz de cabelo despenteado tocava violino, acompanhado por contrabaixo, piano e bateria.

Tratava-se de Nigel Kennedy, violinista inglês muito em moda pelo disco As Quatro Estações, de Vivaldi, editado em 1989. Provavelmente estava em Portugal a promovê-lo, portanto terá acontecido por volta dessa altura. A melodia que saía do instrumento era, nem mais, nem menos, do que o All Blues, de Miles Davis – um dos meus trechos preferidos de um dos meus discos predilectos de sempre, Kind of Blue (1959).

2. Noutra vez, pude ver o excelente concerto do trompetista americano Freddie Hubbard, falecido em Dezembro de 2008, por ocasião de um festival de jazz organizado pela Câmara Municipal de Lisboa no Teatro São Luiz, nos primeiros tempos de Jorge Sampaio ou João Soares à frente da edilidade, a tocar, entre outros, com os portugueses Bernardo Sassetti, Pedro Moreira, Bernardo Moreira.

3. E recordo ainda a figura longilínea do realizador alemão Wim Wenders aquando das filmagens de Lisbon Story (1994), cuja banda sonora é da autoria dos Madredeus, a conversar animada e anonimamente ao fundo, perto do bar, de pé, mas ligeiramente de pescoço dobrado para caber naquela parte do covil e não bater com a cabeça no baixo tecto.

Por favor, deixem que os acordes de jazz voltem a soar no lendário número 39 da Praça da Alegria!

Nota: Não sei que é o autor da bela foto, para lhe poder dar o devido crédito, mas eu saquei-a do blogue Jazz no País do Improviso.

4 comentários:

Tiago disse...

AH, o Hot e o Kind of Blue... muito que se lhe diga. ;)

Anónimo disse...

Ah velhos tempos!

E apoiado, não deixem os acordes morrer!

MASP

Zé Nuno disse...

Tiago, pois tem sim senhor...

MASP, ah velhos tempos mesmo! :)

W. V. D. disse...

eu até nem era um grande fan, mas tive o prazer de te acompanhar várias vezes a esse mitico espaço para beber umas cervejolas.
e estava lá no dia do violinista !!! fantástico, que eu nem sabia que era