
Chegou ao poder em 1808, ano em que começou a Guerra da Independência contra a França de Napoleão e na sequência da abdicação forçada de seu pai. Por esta altura, do outro lado da fronteira, em Portugal, também se combatia a tropa imperial tricolor, mas a monarquia toda zarpara já para o Brasil, deixando os gauleses literalmente “a ver navios”, expressão tornada conhecida pelo facto de o general Junot, estratega da primeira invasão francesa em solo pátrio, ter entrado em Lisboa quando a soberba frota lusitana navegava ainda as águas do Tejo em direcção a Terras de Vera Cruz.
Nenhum monarca europeu tinha alguma vez pisado outro território que não o Velho Continente, quanto mais governar à distância, mas, no meio de outros factores igualmente importantes, a fuga da realeza, ainda assim, terá contribuído decisivamente para a manutenção da independência da coroa portuguesa. Entre os fugitivos régios contava-se a infanta espanhola Carlota Joaquina e que se pode ver de perfil, escondida, apenas com a face esquerda da cara à mostra e do lado oposto ao próprio Goya – cujo aparecimento atrás à esquerda, junto da enorme tela, contém clara referência a outro famoso quadro presente no Museu do Prado, em Madrid, As Meninas, de Diego Velásquez, pintor que, aliás, muito admirava.
Filha de María Luisa de Parma, figura central do quadro – o que sugere ser ela a verdadeira líder do reino vizinho, e não o seu marido –, a então Rainha de Portugal, por casamento com D. João VI, tinha nessa altura 25 anos e, tal como a sua mãe, a beleza não era o seu forte. Abundam as descrições: «Megera horrenda e desdentada, criatura devassa e abominável em cujas veias corria toda a podridão do sangue Bourbon, viciado por três séculos de casamentos contra a natureza», segundo o historiador Oliveira Martins; «ossuda, com uma espádua acentuadamente mais alta do que a outra, uns olhos miúdos, a pele grossa que as marcas das bexigas [assim do tipo da cara do Bryan Adams] ainda faziam mais áspera, o nariz avermelhado. E pequena, quase anã… Alma ardente, ambiciosa, inquieta, sulcada de paixões, sem escrúpulos e com os impulsos do sexo alvoroçados», noutra descrição.
E ainda: «Olhos pequenos e desiguais. Nariz quase sempre inchado e vermelho. Boca guarnecida de maus dentes, uns enegrecidos, outros amarelos, dispostos obliquamente. Pele áspera e curtida. Para cúmulo da feiura, tinha sempre espinhas em supuração. Os braços, que usava nus, eram chatos, ossudos e, acima de tudo, muito cabeludos». Tudo isto não a impediu de ter bastantes amantes, mas, claro está, era a rainha e nada se nega a sua majestade, mesmo que putativa, ou reputada puta.

– Como quer que monte?, pergunta a rainha.
– Como deseja ser lembrada pela História?, devolve o mago do pincel.
– Assim, tal qual como sou: jovem e bela!
Mais à frente na película, quando Goya destapa finalmente a tela em ocasião solene perante Carlos IV e María Luisa, a reacção dos soberanos é sintomática – abandonam imediatamente a sala indignados e sem tecer qualquer comentário. Como se pode averiguar tanto em cima como ao lado, aqueles eram precisamente dois dos atributos em avantajada míngua na real senhora e pintura não faz milagres.
Isto lembrou-me também aquela anedota, algo machista mas com piada, em que o marido chega à noite a casa complemente emborrachado, depois de uma noitada de copos com os amigos e, num assomo de sinceridade provocado pelo excesso de álcool no sangue, diz para a mulher:
- Xi… Tu és mesmo muito feia!
- E tu estás perdido de bêbado, riposta ela.
- Ah, mas a mim amanhã passa-me…
Bom, tudo isto para dizer que, ao vivo e a cores, como tive a oportunidade e a felicidade de comprovar, os quadros – há muitos outros portentosos, de autores diversos e fora do tema retratista – são simplesmente magníficos!
Nota: As descrições da Carlota Joaquina foram retiradas do excelente e didáctico livro Frases que Fizeram a História de Portugal, da autoria de Ferreira Fernandes e João Ferreira, A Esfera dos Livros, 2006
1 comentário:
Ah cronista!
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