25 de março de 2009

A odisseia do trono no Odisseia, parte 2

Vou falar de civismo. Confesso que a única vez em que fui parar à Polícia aconteceu quando resolvi mictar ao relento na cidade. Era jovem inconsciente (adoro esta expressão) e numa das muitas idas a Alfama, talvez o meu bairro preferido de Lisboa, avisei quem estava comigo que iria fazer chichi no muro mais próximo que encontrasse depois de descer do autocarro, tal era a aflição.

Saí na paragem do 46 antes da Estação de Santa Apolónia, atravessei a Infante D. Henrique, meti-me pelas ruelas que vão dar ao ISPA e logo encontrei o convidativo local, perfeito para satisfazer o meu desejo – um pequeno largo com jardim e tudo.

Saquei da minha espingarda de carne e de imediato saiu um esguicho amarelado. Estava eu a deleitar-me de prazer e entretido a fazer desenhos na parede quando ouvi alguém dizer:
- O shôr aí, fachavôr!

Olhei atónito e fiquei branco. Tantas vezes ali passara e nem me tinha lembrado que a continuação do mural ia dar precisamente à porta da esquadra da PSP (ainda lá está, mesmo no início da Rua do Museu de Artilharia).

Nem pestanejei e fui dentro, mas depois de algum mete-medo-aos-miúdos por parte dos agentes da autoridade (muito gosto desta expressão) lá levei a merecida reprimenda e segui caminho. Tudo isto para vos introduzir em mais uma apetitosa viagem, desta vez sobre o desconhecido e incompreendido mundo das casas de banho públicas.

No número 26 da mais famosa avenida de Paris (França), os Campos Elísios, há casas de banho públicas requintadas, os Point WC. Além de loja e artigos em exposição, podemos aliviar a tripa ao módico preço de €1,5 num sítio onde o ambiente mais parece o de um salão de beleza ou SPA, no qual somos recebidos por senhores de fato e gravata. Trata-se, verdadeiramente, de uma nova dimensão…

Na Áustria, mesmo por baixo da Ópera de Viena, uma das mais conceituadas casas de música do planeta – e apenas por alguns trocos –, podemos defecar ou mijar bem pertinho do palco e acompanhados por valsas vienenses. Cada compartimento está devidamente decorado e é possével escolhê-los de acordo com o nosso estado de espírito. Permitam-me uma sugestão: o género minimal repetitivo não me parece ser boa opção.

As casas de banho públicas instaladas em 1998 em Kawakawa, na Nova Zelândia (a fazer lembrar o catalão Antoní Gaudí), foram a derradeira obra do artista austríaco Friedrich Hundertwasser antes de morrer e tornaram-se pólos de atracção turística. Estão sempre impecavelmente limpas, apesar de não haver portas e de não terem vigilância.

Exemplo de asseio, no Japão também se dá bastante importância aos lavabos. Em Ito, existe até um parque temático muito visitado por turistas com casas onde se podem fazer as necessidades fisiológicas e que fariam inveja a muitas onde vivemos. Amantes das tecnologias e amigos do ambiente, os nipónicos fazem a reciclagem dos dejectos líquidos e sólidos em circuito fechado.

Na famosa estância balnear de Mooloolaba, na Austrália, o lugar do passeio marítimo da praia que tem melhor vista para o mar é o ocupado pelas casas de banho públicas, isto num país/continente dotado de um de serviço oficial onde podemos procurar o lavabo mais próximo através da Internet em The National Public Toilet Map. Muito à frente!

Estes exemplos de bom comportamento em espaços públicos de povos civilizados contrastam com os actos de vandalismo verificados em Inglaterra, precisamente o reino onde foi inventado o trono. Ali, pelo contrário, combate-se as condutas anti-sociais e, em Londres, os locais abertos das casas de banho públicas têm videovigilância para prevenir a selvajaria. Não faltará muito até que existam também câmaras nos cubículos privados onde nos sentamos sofredoramente para limpar o intestino grosso…

Na capital inglesa houve igualmente a moda dos urinóis telescópicos (os urilift), objectos de ficção científica que saem do chão para satisfazer as vontades másculas, nomeadamente nas noites passadas a emborcar cervejas nos bares. No entanto, a entrada em vigor da lei para a igualdade dos sexos no Reino Unido, em Abril de 2007, condenou aquela solução.

Em larga medida, as casas de banho são criadas a pensar mais nos homens. Por isso, para as mulheres, ter de partilhar uma com o sexo oposto constitui um verdadeiro pesadelo. A pensar nisso, o designer Philippe Starck tornou-se na primeira pessoa a instalar em França um urinol ergonomicamente pensado e exclusivamente para o uso da passarinha, fantástico em termos de higiene e conforto. Contudo, elas recusaram-se a lá meter a perereca. O objecto foi sistematicamente vandalizado e destruído, pelo que se viram obrigados a retirá-lo.

Com a inflação do mercado imobiliário, alguns dos antigos lavados subterrâneos de Londres foram vendidos e transformados em bares. Para compensar a falta de urinóis públicos, a câmara local assinou mesmo um acordo com as lojas para estas abrirem as suas casas de banho ao público em geral, mas um dos problemas é que os lojistas continuam a ter o direito de recusar a entrada a quem quiserem.

No futuro, de modo a podermos evitar actos de barbárie das casas de banho e para que estas permaneçam acessíveis a todos, sem grandes luxos ou sofisticados equipamentos de segurança, poderemos ter de voltar ao tempo dos Romanos, onde era comum a defecção pública. É o que acontece, por exemplo, no Washington Square Park, em Nova Iorque.

4 comentários:

Tiago disse...

E o mais idiota é que aqui o próprio, umas semanas depois do episódio supra relatado, cometeu a mesma imprudência e com idêntico resultado, no mesmíssimo local...

Hugo P. disse...

Um gajo deixa lá o pastel e ainda tem de pagar!

W. V. D. disse...

meu Deus Zé como é possível fazer uma coisa dessas...
O Tiago ainda percebo...

Garf disse...

Uma vez mais siderado com a pesquisa que, aparentemente, deverás ter feito para produzir tal peça sobre tão nobre assunto. E a constatação de que os maus exemplos vêm precisamente de Inglaterra. Isso já não é antipatia: é mesmo obcessão! Coitados dos bifes...