27 de março de 2009

Os gastos do jovem Darwin

Ainda não fui ver a exposição A Evolução de Darwin, na Fundação Calouste Gulbenkian, da qual aqui falei quando foi inaugurada, mas têm-me dito maravilhas – que é do melhor que já se viu em Portugal.

Sabíamos que o pai da teoria evolucionista nunca fora aluno excelente na adolescência e ficámos agora a saber, graças à divulgação de seis livros de registos do Christ's College, da Universidade de Cambridge, que Darwin, nascido em 1809, gastou mais dinheiro em sapatos caros durante o seu tempo de estudante universitário do que, por exemplo, em livros.

De acordo com os documentos agora publicados, o naturalista, oriundo de famílias abastadas – daquelas em que não é preciso trabalhar para viver, aliás, só assim, por ter as despesas todas pagas pelo pai, é que se pôde dar ao luxo de viajar à volta do planeta durante cinco anos no navio HMS Beagle –, desembolsou o equivalente a 49 mil euros, na moeda actual, em serviços apenas ao alcance de privilegiados, como o de pagar a alguém para lhe manter lareira a acesa, polir os seus sapatos, barbeiro, limpa-chaminés, farmacêutico, bagageiro, vidraceiro, chapeleiro, lavadeira, pintor, entre outros.

Os registos praticamente não referem gastos em livros ou algo relativo aos estudos e, segundo consta, a bebida e o tabaco eram as imagens de marca do autor de A Origem das Espécies quando tinha 20 anos. Segundo um porta-voz da Universidade de Cambridge, “Darwin fazia o que era esperado de um cavalheiro do século XIX, mas passou pouco tempo a estudar ou a ler, preferindo caçar, andar a cavalo ou coleccionar escaravelhos".

Além de evidenciar que a mundanidade de uma existência juvenil pode levar, mais tarde, a feitos grandiosos (apesar de haver génios quase logo à nascença), isto coloca-nos perante outra questão: a de as mentes humanas mais brilhantes terem nascido (ou nascerem) quase sempre em classes sociais elevadas, onde, de certo modo, existe menos a preocupação e o problema de encontrar soluções para coisas tão simples como ter comida e conseguir sobreviver.

Penso nem ser preciso citar exemplos, mas é precisamente por isto que fico fascinado com o percurso de personagens como José Saramago, cuja instrução pouco passou da quarta classe e que, quer se goste ou não (eu gosto), de serralheiro mecânico chegou a Prémio Nobel da Literatura.

Ler aqui a notícia da página oficial da Universidade de Cambridge na Internet.

25 de março de 2009

A odisseia do trono no Odisseia, parte 2

Vou falar de civismo. Confesso que a única vez em que fui parar à Polícia aconteceu quando resolvi mictar ao relento na cidade. Era jovem inconsciente (adoro esta expressão) e numa das muitas idas a Alfama, talvez o meu bairro preferido de Lisboa, avisei quem estava comigo que iria fazer chichi no muro mais próximo que encontrasse depois de descer do autocarro, tal era a aflição.

Saí na paragem do 46 antes da Estação de Santa Apolónia, atravessei a Infante D. Henrique, meti-me pelas ruelas que vão dar ao ISPA e logo encontrei o convidativo local, perfeito para satisfazer o meu desejo – um pequeno largo com jardim e tudo.

Saquei da minha espingarda de carne e de imediato saiu um esguicho amarelado. Estava eu a deleitar-me de prazer e entretido a fazer desenhos na parede quando ouvi alguém dizer:
- O shôr aí, fachavôr!

Olhei atónito e fiquei branco. Tantas vezes ali passara e nem me tinha lembrado que a continuação do mural ia dar precisamente à porta da esquadra da PSP (ainda lá está, mesmo no início da Rua do Museu de Artilharia).

Nem pestanejei e fui dentro, mas depois de algum mete-medo-aos-miúdos por parte dos agentes da autoridade (muito gosto desta expressão) lá levei a merecida reprimenda e segui caminho. Tudo isto para vos introduzir em mais uma apetitosa viagem, desta vez sobre o desconhecido e incompreendido mundo das casas de banho públicas.

No número 26 da mais famosa avenida de Paris (França), os Campos Elísios, há casas de banho públicas requintadas, os Point WC. Além de loja e artigos em exposição, podemos aliviar a tripa ao módico preço de €1,5 num sítio onde o ambiente mais parece o de um salão de beleza ou SPA, no qual somos recebidos por senhores de fato e gravata. Trata-se, verdadeiramente, de uma nova dimensão…

Na Áustria, mesmo por baixo da Ópera de Viena, uma das mais conceituadas casas de música do planeta – e apenas por alguns trocos –, podemos defecar ou mijar bem pertinho do palco e acompanhados por valsas vienenses. Cada compartimento está devidamente decorado e é possével escolhê-los de acordo com o nosso estado de espírito. Permitam-me uma sugestão: o género minimal repetitivo não me parece ser boa opção.

As casas de banho públicas instaladas em 1998 em Kawakawa, na Nova Zelândia (a fazer lembrar o catalão Antoní Gaudí), foram a derradeira obra do artista austríaco Friedrich Hundertwasser antes de morrer e tornaram-se pólos de atracção turística. Estão sempre impecavelmente limpas, apesar de não haver portas e de não terem vigilância.

Exemplo de asseio, no Japão também se dá bastante importância aos lavabos. Em Ito, existe até um parque temático muito visitado por turistas com casas onde se podem fazer as necessidades fisiológicas e que fariam inveja a muitas onde vivemos. Amantes das tecnologias e amigos do ambiente, os nipónicos fazem a reciclagem dos dejectos líquidos e sólidos em circuito fechado.

Na famosa estância balnear de Mooloolaba, na Austrália, o lugar do passeio marítimo da praia que tem melhor vista para o mar é o ocupado pelas casas de banho públicas, isto num país/continente dotado de um de serviço oficial onde podemos procurar o lavabo mais próximo através da Internet em The National Public Toilet Map. Muito à frente!

Estes exemplos de bom comportamento em espaços públicos de povos civilizados contrastam com os actos de vandalismo verificados em Inglaterra, precisamente o reino onde foi inventado o trono. Ali, pelo contrário, combate-se as condutas anti-sociais e, em Londres, os locais abertos das casas de banho públicas têm videovigilância para prevenir a selvajaria. Não faltará muito até que existam também câmaras nos cubículos privados onde nos sentamos sofredoramente para limpar o intestino grosso…

Na capital inglesa houve igualmente a moda dos urinóis telescópicos (os urilift), objectos de ficção científica que saem do chão para satisfazer as vontades másculas, nomeadamente nas noites passadas a emborcar cervejas nos bares. No entanto, a entrada em vigor da lei para a igualdade dos sexos no Reino Unido, em Abril de 2007, condenou aquela solução.

Em larga medida, as casas de banho são criadas a pensar mais nos homens. Por isso, para as mulheres, ter de partilhar uma com o sexo oposto constitui um verdadeiro pesadelo. A pensar nisso, o designer Philippe Starck tornou-se na primeira pessoa a instalar em França um urinol ergonomicamente pensado e exclusivamente para o uso da passarinha, fantástico em termos de higiene e conforto. Contudo, elas recusaram-se a lá meter a perereca. O objecto foi sistematicamente vandalizado e destruído, pelo que se viram obrigados a retirá-lo.

Com a inflação do mercado imobiliário, alguns dos antigos lavados subterrâneos de Londres foram vendidos e transformados em bares. Para compensar a falta de urinóis públicos, a câmara local assinou mesmo um acordo com as lojas para estas abrirem as suas casas de banho ao público em geral, mas um dos problemas é que os lojistas continuam a ter o direito de recusar a entrada a quem quiserem.

No futuro, de modo a podermos evitar actos de barbárie das casas de banho e para que estas permaneçam acessíveis a todos, sem grandes luxos ou sofisticados equipamentos de segurança, poderemos ter de voltar ao tempo dos Romanos, onde era comum a defecção pública. É o que acontece, por exemplo, no Washington Square Park, em Nova Iorque.

19 de março de 2009

A odisseia do trono no Odisseia, parte 1

Cerca de 2,6 mil milhões de pessoas não tem acesso a instalações sanitárias, enquanto os outros dois terços da população do planeta vivem como monarcas, porque possuir uma sanita em casa é quase como ter um trono.

Os solícitos designers quebraram a monotonia da simples ida aos lavados com o fabrico de uma multiplicidade de projectos, cada um deles ornamentado por um assento real único. A casa de banho pode ser a jóia da coroa das nossas casas, mas ainda constitui tabu para muita gente.

A revolução nas instalações sanitárias foi sempre conduzida pela elite, pelo que, nestes assuntos de cocós e segundo David Inglis, sociólogo da Universidade de Aberdeen, na Escócia, são sempre as classes mais baixas a seguirem as altas em termos de inovações relacionadas com assuntos de merda. Agora compreendo melhor por que razão andavam noutro dia uns pés descalços maltrapilhos a espiar várias vivendas da Quinta da Marinha, em Cascais.

Antoine Jullien, designer que também faz retretes, refere que "tem de haver uma sensação de bem-estar, temos de sentir algo quando entramos neste espaço. O meu desejo é que as pessoas que gozaram um dos espaços projectados por mim guardem uma memória agradável da sua visita". Tirando a vontade de cagar não estou bem a ver qual o outro sentimento a que se refere. Além disso, pelo preço de sentar as nádegas num trono feito por ele, acima dos 2000 euros, de certeza que cada deslocação ao assento se tornava inolvidável.

Nos Estados Unidos, Barney Smith, simpático canalizador reformado do Texas e por isso artista a tempo inteiro, possui uma garagem a que deu o pomposo nome de Barney Smith's Toilet Seat Art Museum e onde expõe mais de 800 tampos de sanita decorados por ele com as mais variadas coisas e sobre outros tantos assuntos: material dado pela Reserva Federal dos Estados Unidos que, segundo o octogenário quase nonagenário, vale um milhão de dólares, pedaços do muro de Berlim e do vaivém Challenger, que explodiu em 1986 por cima do Centro Espacial Kennedy, no Cabo Canaveral (Flórida), cinzas dum vulcão…

Outro artista de tampos, o belga Jean Lucien Guillaume, de Bruxelas, expõe as suas obras em conceituadas galerias e até fez uma parceria com a empresa OLFA, "L'un des leaders européens de la fabrication d'articles sanitaires. Innovation technique et diversité des décors", pode ler-se na página oficial da empresa na Internet.

Na Catalunha, qualquer presépio tem o seu El Caganer. É uma tradição do Natal da região tão enraizada que as pessoas já não o concebem sem ele. Trata-se de pequenos bonecos de barro, pintados à mão, que estão literalmente em posição cagativa de rabo à mostra e cujo montinho castanho os autores fazem questão de evidenciar. A explicação poderá ser esta: para se ter uma boa colheita é preciso fertilizar os campos com estrume e excrementos. Estas estátuas simbolizam a fecundação do presépio para o ano seguinte, tornando-o maior. Se este crescer, a família que escondeu o caganer verá também aumentar a sua riqueza e sorte.

Se aproveitarmos a promoção da página oficial, ficamos a saber que podemos comprar um caganer do Barack Obama ou da chanceler alemã Angela Merkel por 13,30 euros, em vez do preço habitual de 14.

Mas, ao que parece, a posição sentada a cagar é pouco natural para o homem, pois cria um ângulo entre o ânus e o recto, o que obriga os músculos a fazerem muita força e não permite a evacuação total da nossa matéria fecal. Isto poderá mesmo ser uma das causas dos nossos problemas intestinais, como a prisão de ventre. Antigamente cagávamos agachados, numa postura de relaxamento muscular. E não é isso que se pede? Depois vieram as sanitas e estragámos tudo.

Para nós ocidentais, o uso destas é uma questão cultural e estamos de tal forma habituados a sentarmo-nos que não concebemos outra forma de esvaziar o intestino grosso (a excepção talvez seja na tropa, como tive oportunidade de verificar quando a isso fui obrigado, felizmente por pouco tempo, onde apenas existem latrinas à moda antiga). E quando somos confrontados com hábitos de outras gentes sentimo-nos frequentemente incomodados e repugnados. Tínhamos tanto a aprender com a civilização oriental, o Japão, a China…

O filme ensina-nos igualmente o modo como devemos enterrar as nossas fezes quando nos dá o aperto no meio da natureza e não conseguimos evitar a rajada: devemos fazê-lo fora dos caminhos e abrir um buraco de 15 a 20 centímetros de profundidade com o tamanho que pretendemos – este ponto depende de pessoa para pessoa, por isso, se tiveram dúvidas, juntem as vossas últimas cagadas, pesem-nas e façam a média.

Não será preciso escavar muito, pois as melhores bactérias para decompor a matéria estão precisamente nos primeiros 15/20 centímetros do solo. Outras das hipóteses sugeridas é embrulhar bem as fezes (por exemplo em papel de prata) e levá-las connosco. Cabeça no ar como sou havia de ser lindo!

Para os ecologistas convictos está fora de questão o uso de papel higiénico – recomenda-se a utilização de pedras polidas, paus ou até pinhas. Antigamente a coisa ia com espátulas de madeiras ou folhas das árvores. O papel higiénico apenas surgiu no séc. XIX e, claro, foi inventado pelos americanos.

Gasta-se uma enormidade de papel higiénico neste planeta. Precisamente a pensar nisto, a indústria pegou no mais trivial deles, o branco de folha dupla, e transformou-o num produto de luxo às cores e destinado a um mercado de elite. Assim surgiu o portuguesíssimo Renova Black.

A publicidade da empresa é elucidativa:
Descubra o novo papel higiénico preto Renova: atreva-se a ser irreverente utilizando um produto na fronteira entre arte e decoração, o luxo e o mundano.
Produto ou objecto?
Descubra por si mesmo! Suavemente perfumado e com uma textura aveludada, dará um toque inconfundível à sua casa de banho.

O toque inconfundível de que falam não será só à casa de banho. Eu nunca experimentei, mas uma descrição destas deixa-me mesmo tentado.

O papel higiénico de luxo não é apenas um acessório e reflecte aspectos fundamentais da nossa sociedade. Se mostrarmos às pessoas que o temos na nossa casa de banho, damos a entender que possuímos classe e gosto refinado, embora nem uma nem outro impeçam de, aqui e acolá, os donos largarem indiscretas flatulências decididamente requintadas, tendo em conta o estrato social de quem as impeliu.

A excentricidade levou mesmo a Renova a criar a Gold Box, um distribuidor de papel no valor de 100 mil euros, para celebrar o primeiro milhão de rolos pretos vendidos. Por outro lado, um joalheiro francês fez um anel em ouro e pedras preciosas que representa uma sanita e está avaliado em 3500 euros. Mas o Japão, sempre na dianteira, foi mais longe que todos e produziu uma sanita verdadeiramente digna do traseiro de um monarca. Tem 26 quilos em ouro e vale a módica quantia de 375 mil euros.

10 de março de 2009

A fabulosa história dos cocós

Quando a televisão está ligada, é costume tê-la sintonizada nos canais História, Discovery ou Odisseia. A loucura é tal que confesso mesmo ter dezenas de DVD’s gravados com documentários sobre os mais variados assuntos relacionados com história, ciência, cultura, desporto, saúde, culinária e outros.

De repente, fui despertado por um teaser de promoção a um programa. Mandava assim: “Em Março, o Odisseia apresenta-lhe A Fabulosa História dos Cocós”. E a situação transportou-me aos tempos da minha infância, escatologicamente falando.

Ainda imberbe, lembro-me de os graúdos me mandarem ir às canas ou ao campo (conforme o local onde estava o menino da cidade) aliviar a tripa quando não havia cloacas disponíveis por perto, de andar por casa com as calças para baixo e pirilau à mostra a berrar “ó mãe, ó mãe, anda ver o meu cocó!”, de evacuar a ler qualquer revista sentado no trono, como ainda acontece e como ainda chamo às retretes, pois é ali que me sinto verdadeiramente rei.

Nem de propósito, o segundo dos quatro episódios do filme passa esta noite às 22 horas (repete às duas da madrugada e 13 horas de quarta-feira) e dá pelo nome de A Revolução dos Tronos. Falhei o primeiro (Em Nome da Rosa), mas não vou perder este nem os próximos, Em Nome do Trono e Excremento Sagrado.

O Odisseia informa que cada ser humano produz seis toneladas de cocó durante o seu tempo de vida. Custa a crer, não é? Freud dizia que este tema gerava incómodo porque nos fazia lembrar a nossa natureza mais animalesca. Pois, pois, sei bem o que esse tarado queria...

Hoje em dia, as fezes são utilizadas como fertilizante, material para a construção, para fazer sopa e até na cosmética. Um dos cafés mais caros e raros no mundo provém das caganitas de determinado macaco e, segundo consta, cheira bastante mal e sabe divinalmente bem.

Para lutar contra o odor desagradável dos cocós, alguns investigadores japoneses estão a desenvolver uma pastilha cujo objectivo é eliminar o fedor das nossas fezes. Parece que a indústria dos ambientadores está contra!

6 de março de 2009

O chocho é o que está a dar

E se, de repente, alguém te interpelar e espetar um apaixonado beijo na boca? Não te assustes, pois está apenas a zelar pela vossa sanidade. É que, segundo anunciou recentemente uma equipa de investigadores do Lafayette College, nos Estados Unidos, beijar, além de ser bom, diz quem percebe do assunto, também faz bem à saúde.

Os cientistas referem que quando um homem e uma mulher se osculam - não há menção às hipóteses homossexuais e lésbicas - são libertadas dois tipos de hormonas, o cortisol e a oxitocina, a primeira ligada à redução do stresse, nomeadamente no sexo masculino, a segunda vulgarmente denominada por "hormona do amor".

Mas todo o cuidado é pouco, não vos vá acontecer o mesmo que àquela pobre adolescente chinesa, quando, num arrebatador gesto de carinho, perdeu momentaneamente a audição no ouvido esquerdo ao dar um ardente chocho ao namorado. Assustada com a súbita surdez dirigiu-se ao hospital, onde os médicos a informaram que, apesar de não ser situação comum, um ósculo mais robusto pode causar desequilíbrio na pressão do ar entre os ouvidos e levar à perda da audição.

Dizem igualmente alguns especialistas que durante o acto de beijar colocamos 29 músculos faciais em movimento, pelo que poderá ser usado como exercício eficiente de prevenção ao aparecimento de rugas.

Estima-se ainda (não sei bem quem) que os sujeitos que se despedem das suas amadas quando as encontram, ou as cumprimentam depois de entrarem em casa, vivem mais cinco anos e ganham salários mais elevados do que os antipáticos que o não fazem. Os másculos desta última categoria tendem também a sofrer mais acidentes de automóvel, embora neste capítulo não esteja bem a ver qual é a relação nem a razão pela qual o postulado se refere aos homens.

Enfim, não se acanhem e toca a andar aos chochos a torto e a direito!

2 de março de 2009

Pêlos

Deitada a seu lado, esboçou um sorriso tímido quando, por entre a tosca luz da manhã que penetrava quarto adentro, os seus olhos meio ensonados descobriram os dele, naquele instante igualmente remelosos e regressados do sono dos justos. Num assomo de romantismo matinal, declarou em terno tom de voz:
– Bom dia, amorino! Tens um enorme pêlo branco a sair da narina…

Consta que a indiscreta, indesejável, intrometida e alva penugem rapidamente se desprendeu da penca em questão. Não foi tão falada quanto esta, mas outras pilosidades estiveram também em acesa discussão depois de a zelosa PSP de Braga ter mandado apreender uns livros expostos numa feira da especialidade, cujas capas reproduziam a pintura A Origem do Mundo (1866), onde Gustave Coubert nos oferece escarrapachada a basta farfalheira negra do sexo de uma mulher branca.

Antes de mais, parece-me demasiado pretensioso e excessivo que o francês tivesse descortinado ali, entre aquele matagal, a génese de tudo. Havia muito para desbastar e não é certo que, mesmo assim, o viesse a conseguir.

O artista mostra parte dos peitos da modelo que lhe serviu de inspiração, mas nem sequer lhe exibe a fronha, o que, salvo intenção erótica, pouco abona em prol da putativa figura e só vem dar razão a este postulado – trata-se de um feio exemplar da fêmea humana, provavelmente já bastante vivida.

Alheio a tudo isto não deve também ser o facto de o episódio censório se ter passado precisamente num burgo infestado de clérigos, conhecido até como a cidade dos arcebispos. Mas a mim ninguém me engana: só pode ter sido esse tipo de gentalha a estar por detrás da marosca, da denúncia às autoridades, pois é sobejamente conhecida a predilecção da padralhada por carnes tenras e peles imberbes.