30 de janeiro de 2008

Fiu-fiuu

A iniciativa tem tanto de inovadora e bem conseguida como de irritante. Os cartazes de publicidade da nova campanha da Sagres - o assobio, ou "fiu-fiuu" -, em pleno cais de embarque das estações do Metropolitano de Lisboa, têm por cima uma pequena caixa com um sensor que emite o som do silvo sempre que alguém passa em frente.

Podem imaginar a chinfrineira daquilo nas paragens mais movimentadas. Noutro dia, enquanto aguardava pacientemente pelo comboio, estive a ponto de despir este meu ar tranquilo e pacifista para, num instante acesso de loucura, dar cabo da maquineta.

Felizmente, acabei por ficar quieto e fui despertado pela chegada das ansiadas carruagens, a deslizarem pelos carris subterrâneos todas presas umas às outras em deprimente filinha indiana, mas que me levariam ao destino.

Não haverá por aí um movimento que poupe os nossos frágeis ouvidos da música natalícia no Chiado, das baladas nos elevadores, das canções nos telefones em espera, dos decibéis altíssimos nas lojas e da televisão ligada aos altos berros nos cafés?

29 de janeiro de 2008

O truque da água na boca

Os meus dotes culinários são bastante limitados, mas farto de verter lágrimas a descascar cebolas, resolvi ontem, enquanto preparava a salada para a janta, experimentar um truque ensinado pelo cozinheiro Chacal.

Enchi a boca com água e, depois de sentidas e vigorosas facadas no bolbo de bochechas inchadas, nada de irritação na vista e nem uma pinga vertida dos meus pequeninos olhos. O fenómeno deve ter explicação plausível...

28 de janeiro de 2008

À volta dos Radiohead

Não me recordo bem da primeira passagem dos Radiohead por terras lusitanas, em 1993, quando fizeram a primeira parte do concerto dos consagrados James no Pavilhão do Restelo, em Lisboa, mas das duas seguintes lembro-me bem delas.

Na última, em Julho de 2002, o grupo inglês proporcionou ao público ibérico uma mini-digressão por Lisboa, Porto, San Sebastian, Valência e Salamanca. Apesar de tocarem na Cidade Invicta, resolvi também comprar bilhetes para dois amigos do Porto, de modo a obrigá-los a passarem uns dias de convívio na capital e ajudar a acabar com o preconceito portuense em relação à minha cidade.

Como era de prever, o concerto do Coliseu estava apinhado de gente. A dada altura, apareceu à frente da nossa trupe um tipo aos tombos, a tentar enrolar um charro. Cambaleou mais um pouco, fez um compasso de espera, olhou para nós e, de entre todos, escolheu-me a mim como sendo o tipo que o ia safar:
- Ó pá, tens mortalhas?, atirou ele.

Quem me conhece sabe que seria a derradeira pessoa a conseguir satisfazer tal desejo. Não fumo, nunca fumei, mas o alucinado embicou comigo, vá lá saber-se a razão. Desatou tudo a rir, claro está, principalmente os meus dois amigos nortenhos que, ainda hoje, quando me cumprimentam, não resistem a fazê-lo utilizando uma das seguintes expressões: «Grande Zé das Mortalhas...»; «Olhó mortalhóides...»; ou tão simplesmente «O Mortalhas».

Antes desta ocasião, na segunda aparição da banda em Portugal, no mês de Maio de 1997, os Radioehad resolveram brindar o público português com a primeira apresentação mundial do álbum OK Computer, editado nesse ano e, na minha humilde opinião, um dos mais marcantes discos da história recente da música popular.

Tinha bilhete para ir vê-los ao exíguo Paradise Garage, mas, infelizmente, a minha avó paterna, já acamada em Coimbra com uma daquelas doenças inclementes, viria a falecer na madrugada do dia do concerto, de modo que a família rumou à Beira Alta para as exéquias.

A história terminava aqui, não fora o facto de ter disponibilizado o papelinho mágico a um dos meus amigos, para tal bastando apenas que algum deles contactasse o Nuno U. - ainda não o conheciam, mas era a pessoa que estava na posse do dito. No entanto, mesmo tendo ele deixado o bilhete à porta do local da festança, ninguém apareceu.

Não bastava já o duplo desgosto, como também, por causa deles, não pude reaver o dinheiro do ingresso quando havia muita gente interessada em viver aquele momento mágico. Por razões de segurança e para evitar o enxovalho público, omito os nomes dos comodistas.

25 de janeiro de 2008

Arco-irís sonoro

Brilhante é o mínimo que se pode dizer do disco de regresso dos Radiohead, In Rainbows.

23 de janeiro de 2008

As Pequenas Memórias

Lêem-se quase de uma assentada estas fascinantes «memórias pequenas de quando fui pequeno», segundo refere o próprio José Saramago, a dada altura, no livro.

Pesquiso nos meus imensos arquivos e encontro perspectivas pertinentes sobre o assunto, muitos pontos para reflexão, como na crítica de Maria Alzira Seixo, no Jornal de Letras, aquando da publicação da obra, em 2006: «Quem ler As Pequenas Memórias vê satisfeita a curiosidade de saber como viveu e cresceu este vulto das Letras, e será surpreendido pela lição de briosa humildade que elas contêm, assim como pelo exemplo de trabalho e estudo que fazem, do menino rústico e sem condições, a culta e interventiva personalidade que é Saramago no mundo de hoje. Este exemplo não pode ser entendido como expoente de regra, pois é excepção, mas permite ponderar os resultados do facilitismo no ensino actual, assim como condições que, proporcionadas sem sentido moral e afectivo, não dão frutos».

Noutro local, num artigo publicado no El Pais, algures no Verão passado e a propósito do ponto de situação feito pela ministra da Educação sobre o ensino e o programa Novas Oportunidades, Miguel Mora, correspondente daquele jornal espanhol em Portugal, acrescentou: «Ao ver a precária educação recebida, nos anos de 1930, por aquele menino magro do Ribatejo que o seu pai polícia transplantou para Lisboa, parece quase um milagre (ateu e comunista, claro) que Saramago tenha acabado por ganhar o Nobel da Literatura [em 1998]».

Citando apenas alguns exemplos, Eça de Queirós foi diplomata, homem de Leis e pertencia a famílias aristocratas, Miguel Torga e António Lobo Antunes formaram-se em Medicina e mesmo os mais recentes best sellers Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos possuem distintos passados (e presentes) académicos e profissionais.

Para os interessados, aconselho igualmente uma vista de olhos no texto da escritora americana Fernanda Eberstadt sobre o visado, nascido na Azinhaga, em 1922, no The New York Times, e que a edição portuguesa do Courrier Internacional deu à estampa em Setembro do ano passado.

10 de janeiro de 2008

A minha Lisboa de outros tempos

Hoje, ao final da manhã, passou por mim um amolador, o afia-facas, a assoprar na sua inconfundível gaita. Diz o povo que apito assim chama a chuva, talvez porque o pobre coitado também trate da saúde aos resguardos da água que cai do céu. Mas os tempos mudaram muito e já nem os guarda-chuvas são os mesmos de antigamente. Nem as profissões. Algumas, pelo menos.

O chichorrobio transportou-me para a minha Lisboa de outrora. Ainda a dos calceteiros e engraxadores. Do padeiro, senhor José, que deixava o pão à porta de casa dos meus pais, apesar de eu morar num prédio de nove andares e três apartamentos por piso.

Do enorme letreiro da farmácia do meu bairro escrito ainda com ph. Dos autocarros verdes de dois andares da Carris, cuja entrada e saída se fazia apenas pela escancarada porta traseira. Do 16C e do 15. Dos eléctricos, agora resumidos praticamente à mítica carreira 28.

Embalou-me também na memória dos lugares perdidos. Do Esboço, em Alfama, o meu primeiro poiso das «noites brancas». Do Chiado, com lojas a sério. Do Éden, do Teatro Monumental, onde eu e a minha irmã vencemos o terceiro prémio num concurso de Carnaval, mascarados a rigor de Pedro e Heidi - eu com a inválida Clarinha, sentada numa cadeira às minhas costas, tipo mochila, e ela com a carneirinho ao colo.

7 de janeiro de 2008

Six Degrees

Para quem a perdeu no AXN, a RTP 2 vai estrear hoje a série Seis Graus, baseada na teoria de que qualquer um de nós está relacionado com outro através de uma cadeia de seis pessoas.

Por coincidência, ou talvez não, deixo uma passagem do livro que acabei de ler, O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa, numa carta que José Buchmann escreve ao dito quando está à procura da sua própria mãe, uma tal de Eva Miller.

«Não sei se conhece a Teoria do Mundo Pequeno, também chamada dos Seis Graus de Separação. Em mil novecentos e sessenta e sete um sociólogo americano, Stanley Milgram, da Universidade de Harvard, propôs um curioso desafio a trezentas pessoas, residentes nos estados do Kansas e Nebraska. Esperava-se que estas pessoas conseguissem, recorrendo unicamente a informações de amigos e conhecidos, obtidas através de cartas (isto passou-se num tempo em que ainda se escreviam cartas), contactar dois sujeitos, em Boston, dos quais só sabiam o nome a profissão. Setenta pessoas aceitaram participar no projecto. Três tiveram êxito. Ao analisar os resultados, Milgram percebeu que, em média, havia somente seis contactos entre remetente e destinatário. (...)».

Tem início marcado para as 22h45. Já tinha falado disto aqui.

4 de janeiro de 2008

Saudades

Na languidez do lento e custoso regresso à labuta, ainda não refeito do abuso das saborosas iguarias da quadra natalícia, aguça-me o repentino desejo de voltar a Trás-os-Montes, ao Douro, ao Parque Natural de Montesinho, ao magnífico Gerês, locais do périplo de Outono.

E mergulhar a fundo no imortal Miguel Torga, agora que o Pai Natal me ofertou - certamente porque me portei bem durante o ano velho - as quase 1800 páginas dos 16 volumes do Diário do escritor transmontano, editadas pela D. Quixote em dois calhamaços.

2 de janeiro de 2008

Promessas

Todos os anos dizemos a mesma coisa: esta foi a última vez em que embandeirámos na histeria das compras de Natal. No entanto, os factos e a vivência diária da época festiva desmentem logo tudo.

Em tempos de crise acentuada, nos quais as taxas dos juros do crédito à habitação e do desemprego não param de subir, as compras efectuadas de 1 a 25 de Dezembro e pagas através dos cartões de débito e crédito atingiram o valor máximo de 15820 por minuto entre as 18 e as 19 horas do dia 21.

No total, as transacções electrónicas realizadas em Portugal no mesmo período ascenderam a 2,268 milhões de euros, mais 5,6% do que no ano passado.