14 de abril de 2009

Cenas da vida na aldeia

Sou avesso às debandadas cíclicas das multidões nas férias ou em fins-de-semana prolongados, mas existem algumas excepções e uma delas aconteceu precisamente nesta Páscoa. Por força de ainda não ter saído de Lisboa desde o início de Dezembro do ano passado, e devido ao facto de ter tido quatro dias de folga seguidos, decidi sem tormento rumar à Beira Alta nesta apinhada época em que os cristãos celebram a morte e ressurreição do seu salvador, Jesus Cristo.

Por circunstâncias várias, que não vêm agora ao caso, o poiso habitual deixou de ser a terra dos meus egrégios avós e mudou-se de armas e bagagens para território do sogro, igualmente beirão. Desses memoráveis dias guardo religiosamente as festas em honra de São Bento, durante as quais os olhos dos mirones da povoação se viravam para essa excentricidade chamada “menino da cidade”, a azáfama dos preparativos para celebrar todas as ocorrências da quadra, bem como a grandiosa procissão em honra do padroeiro da aldeia, para não falar das concorridas missas, dos galantes bailes e das estrondosas actuações da banda filarmónica.

O auge dava-se quando me escondia do padre benzedeiro que invadia os lares alheios para os abençoar e obrigar os crentes a beijar cruz sagrada, isto perante a acção reprovadora da beata mãe do meu pai.

Dona Aninhas, como era conhecida, ficou viúva tinha eu apenas seis anos e andava na primeira classe, pelo que, sendo o primo mais velho de entre os netos, fui o único a não estar presente no funeral do meu avô Joaquim, de quem ainda guardo lembranças, mesmo que vagas – dizem que herdei muito dele, aliás tal como do do lado materno, embora não o tenha sequer conhecido.

Habituada a estar ainda mais sozinha depois da morte do marido, Dona Aninhas passava grande parte da vida caseira na ampla cozinha, o centro do seu mundo, onde reinava e estava tudo o que precisava. Na fase terminal da vida, tinha por companhia a televisão, o fanhoso rádio de pilhas sintonizado impreterivelmente na onda média da Rádio Renascença – autoentitulada de Emissora Católica Portuguesa – e um dicionário de português, de onde todos os dias retirava uma palavra para acrescentar ao seu léxico, aproveitando sempre a melhor ocasião e qualquer deixa para a exibir orgulhosamente perante os presentes.

E, no meio de tudo isto, apenas há pouco tempo me apercebi da razão por que a naturalidade que está no BI do meu progenitor é Lisboa e não a da dita terreola: Dona Aninhas casou prenha em Agosto dos idos de 1941, uns três meses antes de dar à luz o primeiro dos seus quatro rebentos. A escandaleira que deve ter sido!

4 comentários:

Tiago disse...

Bela história, saudosa avó, a quem o malandreco do neto dizia: "ó Vó, quer alho?", "não filho, não quero", "ó Vó, tem a certeza de que não quer alho?"... :)

SC disse...

Magnífica história! :)

W. V. D. disse...

não me fales em Beira Alta que eu já não a posso ver :)
escrevo estas palavras na Pousada de Almeida :(

José Nuno Pimentel disse...

w.v.d., Almeida faz-me lembrar certa e determinada expressão atira por alguém pela janela de um carro às tantas da matina!